Vitória dos povos indígenas: STF forma maioria e anula Marco Temporal para demarcação de terras

Publicada em: 21/09/2023 às 01:00

Nesta quinta-feira (21/09), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria e anulou a Tese do Marco Temporal. Isso significa que, dos 11 ministros, nove votaram contra e não há mais possibilidade de aprovação. Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luis Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes Rosa Weber proferiram os votos contra esta tese. Considerado o julgamento do século para os povos indígenas, organizações e lideranças indígenas comemoram a decisão.

O coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, durante a Conferência do Clima de Nova York, comemorou o resultado positivo da votação e mandou mensagem ao povo Xokleng. “O STF reconheceu o direito dos povos indígenas já assegurados na Constituição. Nosso direito ao território é originário e imemorial, por mais que busquem alternativas jurídicas e legislativas para violá-los. Me solidarizo com o povo Xokleng, que enfrentou esse processo e hoje alcançou a vitória, que é de todos os povos indígenas do Brasil. Aprovar o Marco Temporal seria conduzir todo o planeta ao ponto de não-retorno da crise climática, além de fragilizar mais ainda os direitos indígenas”.

Mesmo com a vitória sobre a tese que afirma que para um povo indígena ter direito à terra demarcada, deveria estar presente no dia 05 de outubro de 1988, ainda é necessário ter atenção aos desdobramentos do processo. Este julgamento tem Repercussão Geral, ou seja, o decidido hoje será aplicado para todos os processos de demarcação. O ministro Dias Toffoli votou contra o Marco Temporal, mas apresentou demandas e prazo para regulamentação de garimpo em terras indígenas.

A advogada indígena e assessora jurídica da Coiab, Cristiane Baré, comentou a votação. Ela foi uma das juristas a fazer a sustentação oral contra o marco temporal no STF, em 2021. “O resultado da votação hoje é uma vitória para todos os indígenas. Nós sempre estivemos juntos, de mãos dadas, defendendo nossos direitos. Agora, continuaremos atentos às recomendações dos ministros. Na próxima semana, o julgamento deve continuar para debater as questões levantadas pelos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. A tese final deve sair na próxima semana, e temos esperança de que a questão da indenização pela terra nua seja desconsiderada”, aponta Baré.

O voto de Alexandre de Moraes, no dia 7 de junho de 2023, foi amplamente criticado por organizações indígenas, indigenistas e juristas. O ministro considera que a data da promulgação da Constituição Federal não pode ser utilizada como ponto de definição da ocupação tradicional da terra por povos indígenas.

No entanto, durante o voto, Moraes propôs que haja conciliação entre os direitos indígenas e de ruralistas que adquiriram as terras regularmente e de boa-fé. Ele propôs que, se for reconhecida a ocupação tradicional sobre terras que tenham uma cadeia de domínio legítima, os proprietários não podem ser prejudicados. Nesses casos, a União deve ser responsabilizada e pagar indenização sobre o valor total dos imóveis, e não apenas sobre as benfeitorias.

Em levantamento, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), precisaria de pelo menos do triplo do orçamento atual para concluir as demarcações se fizer a indenização da terra nua. Essa proposta inviabiliza todas as demarcações de terras no país e pode agravar a invasão, grilagem e conflitos nos territórios.

A luta continua

Por outro lado, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) 2903/23, que trata, dentre várias proposições danosas aos povos indígenas, da instituição do Marco Temporal de ocupação dos territórios. Ontem, 20/08, foi apresentada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). O senador Marcos Rogério (PL-RO), relator do PL na CCJ, já apresentou parecer favorável ao projeto, que pode ser ainda mais nocivo aos povos indígenas do que a tese que tramita no STF.

O PL 2903/23 inclui ainda propostas que ameaçam a política de não-contato com povos indígenas isolados, e autorizam garimpo em território indígena. Durante a reunião da CCJ, foi proposta uma audiência pública para que os povos indígenas fossem ouvidos sobre a pauta. No entanto, por 15 votos a 8, foi decidido que não haverá este momento de diálogo e escuta dos povos afetados por este projeto político inconstitucional. O PL volta à análise da Comissão na próxima semana.