Vacinas precisam de escolta policial para chegar em aldeia indígena Uru-Eu-Wau-Wau

Episódio ocorreu na última quarta-feira (17) e ocorreu por conta dos conflitos fundiários existentes no entorno da Terra Indígena

Publicada em: 19/02/2021 às 02:00

Um carregamento de oito doses da vacina Coronavac, destinadas à aldeia indígena Alto Jamari, na cidade de Campo Novo, em Rondônia, precisou de escolta policial para que chegasse aos indígenas. A situação ocorreu na última quarta-feira (17), no interior da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.

A Polícia Militar precisou ser acionada porque a aldeia Alto Jamari está no meio de um perigoso conflito fundiário. Para chegar até a aldeia, é preciso percorrer uma estrada de terra que passa dentro da “Fazenda do Amorim”, uma propriedade rural pertencente ao ex-senador Ernandes Amorim. Essa fazenda foi invadida recentemente, dando início a uma disputa que se acirrou nas últimas semanas.

No início de fevereiro, uma grande operação de reintegração de posse retirou mais de 100 invasores da propriedade. Eles, no entanto, não dispersaram e continuaram na região. De sábado (12) para domingo (13) uma emboscada mal sucedida envolveu tiros, corte de fornecimento de energia elétrica e fuga de trabalhadores da fazenda para o meio da floresta. A estrada que dá acesso à aldeia começou a ter seu tráfego controlado.

Por conta do conflito, a aldeia Alto Jamari ficou isolada. Estava há dias sem receber alimentos e remédios, além da insegurança provocada pelas trocas de tiros e pela falta de energia.

Segunda dose

Uma operação de assistência foi viabilizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé[/url] – mas ela só pôde ocorrer porque contou com apoio da Polícia Militar.

Felizmente, tudo correu bem e os oito indígenas foram vacinados. Foi aplicada neles a segunda dose da Coronavac. Ainda assim, foram encontradas na aldeia sete trabalhadores da fazenda, que estavam fugindo dos conflitos e queriam “se esconder” entre os indígenas; além de 3 espingardas e 170 munições, que foram apreendidas.

Além das vacinas, foram levados para a aldeia, sob olhar de policiais militares, 100 litros de gasolina e 4 litros de óleo dois tempos, 12 cestas básicas, 12 kits de higiene, 20 frascos de álcool em gel 70% e remédios diversos. A energia elétrica teve seu fornecimento restabelecido.

Barreiras sanitárias

Segundo a coordenadora-geral da Kanindé, Ivaneide Bandeira Cardozo, essa situação é mais uma amostra de como os povos indígenas estão fragilizados e sem acesso a direitos básicos: “Os Uru-Eu-Wau-Wau estão muito vulneráveis no meio dessa disputa. Imagine só ficar isolado e sem conseguir alimentos por conta de uma briga ocorrida ali ao lado? Ter sua energia cortada, não poder se locomover por medo de levar tiros? Já não basta o coronavírus?”

“Neidinha”, como é conhecida, contou também que é por situações como essa que as barreiras sanitárias são tão importantes. “Temos que garantir que nenhuma pessoa estranha entre nas aldeias – e as barreiras sanitárias são um meio de conseguir isso”, explicou.

Preparados para o pior

O coordenador da operação que escoltou as vacinas, major Antonio Buritis, afirmou que, apesar da operação de escolta ter sido tranquila, os policiais militares estavam preparados para o pior. “Mobilizamos doze homens e três viaturas, que estavam equipados para uma situação mais séria. Acionamos os homens da patrulha rural, que estão acostumados, caso fosse necessário, com situações de emboscada e troca de tiros neste tipo de território”, explicou.

O Major disse ainda que foi surpreendido com o resgate que teve que ser feito – dos setes trabalhadores da fazenda que tentaram se esconder na aldeia indígena – e com a apreensão das três espingardas calibre 17, assim como as munições. “Estamos falando de uma área de conflito em que existe uma situação de insegurança. Estamos monitorando aquele local, até para garantir que os indígenas tenham livre acesso a estrada”, declarou.

Na aldeia do Alto Jamari moram vinte pessoas – 19 Uru-Eu-Wau-Wau e 1 pessoa com ascendência Juma e Uru-Eu. Chegar à aldeia leva cerca de 5 horas, num percurso que sai de Porto Velho, passa pelas cidades de Ariquemes, Montenegro e por uma estrada de chão que, em determinado momento, atravessa a fazenda que é o objeto de conflito.

Invasões e conflitos

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau possui 1867 mil hectares e se localiza na porção central do estado de Rondônia. Seu território se espalha por doze municípios diferentes. Possui uma população de 209 pessoas, de nove povos diferentes, incluindo povos isolados e de recente contato. Foi homologada em 1991.

A Terra Indígena tem um histórico de invasões e grilagem que vêm desde a década de 70, que inclui também disputas com setores do agronegócio e exploração ilegal de madeira. Desde 2016, a região vive um aumento dos conflitos. Em abril do ano passado, o professor e agente ambiental Ari Uru-Eu-Wau-Wau, de 33 anos, foi encontrado morto com marcas de pancadas, no que tem sido visto como uma dos mais trágicos desdobramentos destes conflitos.

Além dos Uru-Eu-Wau-Wau (que se denominam Jupaú), vivem na TI os Amondawa e os Oro­ Win, além de três grupos isolados: os Yvyraparakwara, os Jururey e outro povo cujo nome é desconhecido.