Projeto PIACC: cuidando da saúde mental indígena durante a pandemia

Iniciativa desenvolveu atividades voltadas para o bem-estar, saúde mental e prevenção das violências junto aos povos da Amazônia

Publicada em: 16/04/2021 às 02:00

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  • Oficinas com jovens comunicadores deram origem a produtos como cartilhas, podcasts, vídeos e animação;
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  • Ação específica para cuidadores e profissionais da saúde indígena atingiu mais de 2,5 mil profissionais de todo o Brasil;
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Uma das graves consequências da pandemia de COVID-19 foi o prejuízo psíquico causado a cidadãos de todo o mundo. Mortes, isolamento social, lockdown, trabalho remoto e as incertezas de uma nova doença causaram aumento nos índices de ansiedade e depressão.

Os povos indígenas da Amazônia também vêm sofrendo com as adversidades trazidas pelo coronavírus. Até o dia 13 abril, foram mais de 37 mil casos confirmados de COVID-19 entre indígenas amazônicos, com 894 falecimentos em 150 povos diferentes.

Cuidar da saúde mental indígena neste momento é, portanto, uma tarefa inescapável. Para lidar com este problema, a COIAB, junto a algumas organizações parceiras, estruturou o projeto Povos Indígenas da Amazônia Contra a COVID-19 – PIACC.

Executado entre novembro de 2020 e abril de 2021, ele uniu esforços de especialistas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) que, com apoio financeiro da USAID, promoveram um curso e oficinas virtuais voltadas para o bem-estar, promoção da saúde mental e prevenção a violências contra mulheres e crianças entre os povos indígenas.

Acolhimento
“A pandemia e o isolamento social causaram uma enorme desorganização das rotinas das comunidades e das aldeias. Houve perda de vidas, problemas de saúde mental, acirramento de conflitos. Então tentamos gerar, mesmo que virtualmente, ambientes de acolhimento e estimular a criação de redes e grupos de apoio. Isso de fato aconteceu, com relatos, falas claras sobre esse assunto e discussões sobre a proteção da criança e do adolescente, do respeito aos direitos”, afirmou a Coordenadora-Executiva do PIACC, Suzy Evelyn Silva.

As oficinas ocorreram de maneira virtual, por conta da pandemia, e reuniram caciques, lideranças mulheres, mães e representantes de associações e comunidades, assim como os 31 participantes da Rede de Jovens Comunicadores Indígenas da COIAB.

Esses momentos se desdobraram ainda em produtos como podcasts, vídeos, animação, cartilhas e cartazes de prevenção à violência contra a mulher, a criança e ao adolescente. Esses produtos foram traduzidos para línguas indígenas e serão distribuídos em comunidades e entidades parceiras locais.

Desafios
A empreitada não ocorreu sem dificuldades: “Executar este projeto foi um grande desafio para a COIAB, uma vez que o movimento indígena é acostumado a trabalhar com reuniões presenciais. Tivemos que nos reinventar, oferecer oficinas virtuais para regiões com dificuldade de acesso à Internet e com participantes que não falavam tão bem o português”, contou Suzy.

Juciele Aguiar Moura, 25, é do povo Tukano e mora em São Gabriel da Cachoeira, no extremo norte do Amazonas. Ela participou de uma das rodas de conversa que tratou da saúde mental indígena durante a pandemia e da psicologia da floresta.

“O que os outros partilham sempre nos enriquece, o partilhar de conhecimentos fortaleceu a nossa saúde mental. Os especialistas falaram que todos nós precisamos ter esses momentos de olhar para dentro, interiorizar algumas questões. Esse tempo de COVID-19 exige muita atenção, muita conexão e achei muito bom que os instrutores chamaram a atenção dos jovens para o cuidado, para o cuidar de si e da comunidade”, disse a jovem Tukano.

Interculturalidade
O projeto Povos Indígenas da Amazônia Contra a COVID-19 – PIACC teve também outras linhas de trabalho. Além das oficinas que resultaram na produção dos produtos de comunicação, a iniciativa também distribuiu mais de 53 mil kits de higiene a famílias do Amazonas, Pará, Roraima, Acre e Amapá.

Para a pesquisadora em saúde pública Michele Rocha, que coordenou o projeto pela ILMD/Fiocruz, o projeto PIACC teve como um dos seus grandes destaques o curso Bem Viver: Saúde Mental Indígena – uma ação que levou a mais de 2,5 mil cuidadores e profissionais que atuam na Saúde Indígena orientações sobre bem-estar, promoção da saúde mental e prevenção a violências entre os povos originários brasileiros.

Esse curso foi preparado por profissionais da Fiocruz e da COIAB – que trabalharam em parceria respeitando os preceitos da interculturalidade, da troca de saberes e vivências e da aliança entre as ideias científicas e as práticas do conhecimento tradicional.

Compartilhamento
“O projeto PIACC foi uma grande oportunidade de conhecimento e troca de saberes. Isso ocorreu tanto no intenso trabalho dos mobilizadores indígenas nos territórios quanto na elaboração do curso Bem Viver, com a construção coletiva dos profissionais de várias etnias que compunham a equipe de professores e revisores interculturais. Foi um grande exercício para nós, da Academia, de compartilhamento de saberes, mas também de percepção das nossas ignorâncias”, explicou Michele.

A pesquisadora sentiu ainda que o empoderamento das vozes dos profissionais indígenas foi outro ponto importante: “No início poucos professores indígenas queriam apresentar as videoaulas, mas à medida que foram vendo a participação dos parentes, eles também se encorajaram e depois disseram o quanto se sentiram valorizados e ouvidos”.

Para o coordenador do projeto PIACC por parte do UNICEF, Thiago Garcia, um dos grandes legados deste projeto foi a estruturação das redes e grupos: “A estruturação da rede de jovens comunicadores indígenas, por exemplo, é algo sobre a qual todos nós sentimos algo especial. Entendemos que é uma rede que deve ser fortalecida e continuada e que deve se manter funcionando”.

Mobilização
Thiago afirmou ainda que essa foi a maior parceria já feita pelo UNICEF junto a uma organização indígena no Brasil e que esta parceria ampla trouxe diversos ensinamentos às instituições envolvidas. “Foi muito importante termos profissionais indígenas participando de todo o processo, sendo executores e implementadores e somando suas expertises aos técnicos e especialistas envolvidos neste trabalho”, disse o coordenador.

Abril de 2021 marca o encerramento oficial do projeto. Sua equipe trabalha agora com algumas atividades finais, prestações de conta e entrega dos últimos produtos.

Segundo a Coordenadora-Executiva Suzy Evelyn Silva, no entanto, já existem conversas para manter a mobilização feita durante o PIACC: “Percebemos que existe espaço para desenvolvermos outros projetos, para criar e estruturar as redes que surgiram nessas conversas. Estamos cheios de ideias e estamos conversando com os parceiros, vendo como trabalhar essas várias possibilidades”.