Entre agosto e outubro de 2021, a equipe da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira-Purus da Funai, sediada em Lábrea, no Amazonas, confirmou, em sua área de jurisdição, a presença de indígenas isolados possivelmente falantes de uma língua arawá, numa região totalmente fora dos limites de terras indígenas. A confirmação se deu pela localização de artefatos de cultura material (panelas, cestos, arco, porretes, acampamentos etc), de diferentes datações, em uma área onde eles pescavam e coletavam produtos da floresta. A equipe da expedição chegou a ouvi-los à pequena distância, o que provocou a imediata suspensão dos trabalhos, e a posterior solicitação de uma série de medidas urgentes, dentre elas a imediata interdição da área.
A confirmação da presença de indígenas isolados pelo Estado brasileiro não é um fato rotineiro na política pública indigenista, pois demanda a mobilização de equipes de campo e complexas logísticas. Esse trabalho de pesquisa, localização e confirmação, muitas vezes, leva anos a fio. Desde 2010, dos mais de 80 registros de povos indígenas isolados em investigação no Brasil, apenas cinco deles tiveram sua presença confirmada pelas equipes especializadas da Funai na região amazônica.
Por se tratar de uma área fora dos limites de terras indígenas e com extrema proximidade entre os indígenas isolados e não-indígenas, como orienta a política indigenista, a Funai deveria estabelecer imediatamente uma Restrição de Uso – interditando a área para proteger os indígenas isolados por meio de ações sistemáticas de vigilância e fiscalização para controlar eventuais ingressos de pessoas não-autorizadas; e ampliação dos estudos da Funai sobre o tempo e formas de ocupação indígena, delimitando o território ancestral desse grupo. Além disso, deveria priorizar a construção de uma cordão sanitário no entorno da área ocupada pelos indígenas e elaborar plano de contingência, tanto para uma eventual situação de contato como para fazer a contenção do coronavírus na área.
Até o momento, nada disso foi feito e a Funai em Brasília, a despeito das recomendações pertinentes de sua equipe de campo, simplesmente relegou essas graves informações e “aposta” como sua principal intervenção emergencial para o caso foi, segundo a própria, a “promoção de uma articulação interinstitucional para a construção de um plano de convivência”. Há uma perigosa negligência da Funai em Brasília em não iniciar medidas urgentes de proteção desse grupo isolado, tendo em vista que a área onde foram vistos sofre invasões e está completamente desprotegida.
Por tudo isso, vemos com muita preocupação a contínua destruição da política pública indigenista voltada aos povos indígenas isolados, capitaneada pelos ataques frontais do Governo ao importante mecanismo de Restrição de Uso. Tal instrumento administrativo foi fundamental em outras ocasiões para evitar a destruição de territórios e das vidas de grupos indígenas isolados. No caso em específico aqui denunciado, tendo em vista o fato da presença recorrente e confirmada de indígenas isolados fora de limites de terras indígenas, recomendamos; a) a imediata proteção do grupo isolado por meio da implantação de bases de proteção da Funai na região; b) a criação de um cordão sanitário no entorno do grupo isolado; c) a elaboração urgente pela Funai, Sesai e representantes indígenas e de suas organizações de um plano de contingência para situações de possível contato e para conter a contaminação do grupo isolado pela covid-19 e outras enfermidades; d) a imediata emissão de portaria de Restrição de Uso pelo presidente da Funai para que os técnicos do órgão possam dar continuidade aos estudos para a demarcação da área indígena; e) a investigação dos atos de prevaricação cometidos pelos servidores públicos da Funai em Brasília-DF que ao saberem da existência dos índios isolados, não atuaram urgentemente dentro de suas responsabilidades.
Assim, afirmamos através desta nota que o órgão indigenista vem ignorando o risco à vida para um grupo de indígenas isolados localizados no médio rio Purus, deixando-os sem proteção em plena pandemia.
Amazônia, Brasil, 03 de fevereiro de 2022.
Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Isolados e de Recente Contato