Maior crise sanitária da história do Brasil, a pandemia de Covid-19 já fez mais de 412 mil vítimas fatais no país. Mais da metade das mortes ocorreram nos quatro primeiros meses deste ano. A situação é dramática. E o avanço da doença evidencia que, sem a movimentação e a articulação de organizações da sociedade civil, a realidade nacional seria ainda mais avassaladora, já que ainda faltam políticas públicas para combater a disseminação do coronavírus.
Entre os mais vulneráveis à Covid-19 estão os povos originários. Morando dentro ou fora de aldeias, eles começaram a se infectar e a perder a vida sem que ações do Governo Brasileiro para frear a doença tivessem sido tomadas. De acordo com levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), até o dia 05 de maio, houve 1.061 mortes, e 163 etnias foram afetadas pelo coronavírus. O maior impacto ocorreu no Estado do Amazonas, que concentrou cerca de 24% dos óbitos.
Desde que a pandemia atingiu o país, o WWF-Brasil tem trabalhado para minimizar o sofrimento das populações mais fragilizadas – que, além da doença, sentem os efeitos econômicos da crise. A ação mais recente ocorreu de dezembro de 2020 a março de 2021, em dez municípios do Sul do Amazonas, beneficiando mais de 7,4 mil famílias indígenas, extrativistas, rurais e periurbanas – ou mais de 27.800 pessoas no total – com a distribuição de quase 180 toneladas de alimentos, máscaras e produtos de higiene.
Por meio de uma parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) também foram doados materiais médico-hospitalares para ajudar a equipar cinco Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), que são unidades gestoras de saúde sob a responsabilidade do governo federal, com potencial para beneficiar ao menos 24 mil pessoas. Entre os itens entregues, estão mais de: 300 protetores faciais; 8,8 mil litros de álcool 70%; 159 mil máscaras descartáveis; 1,6 mil máscaras N95; 800 macacões TNT 100% e 160 termômetros digitais infravermelhos – além de 89 macas e 120 oxímetros de pulso.
“Essa é uma força tarefa: o momento é de guerra. O que a COIAB tem feito é em conjunto, porque sozinha não conseguiria, por mais que tivesse boa vontade”, destaca Maria Auxiliadora Cordeiro da Silva, a Mariazinha Baré, gerente de projetos da COIAB. De acordo com o analista de conservação sênior do WWF-Brasil baseado em Manaus, Henrique Santiago Alberto Carlos, 22 etnias foram beneficiadas. Os DSEIs contemplados nessa última fase de ações no Sul do Amazonas foram os de Manaus, Parintins, Alto e Médio Rio Purus e Porto Velho. “Os cinco DSEIs distribuíram os materiais para as Casais (Casas de Saúde do Índio) e para as UAPIs (Unidades da Atenção Primária Indígena), que são os locais onde essas comunidades indígenas são atendidas. Foram doados insumos e equipamentos, e não só para esses estabelecimentos, como também para os agentes de saúde indígena que participam das atividades de vacinação”, explica.
Carlos destaca que os materiais médico-hospitalares foram entregues no período mais crítico da pandemia no Amazonas, em janeiro e fevereiro de 2021, meses em que foram registradas mais mortes por Covid-19 no Estado do que o consolidado de todo o ano passado. “Chegaram em um momento crucial e a um público sabidamente mais vulnerável, tanto do ponto de vista médico quanto do grau de isolamento, incluindo não somente indígenas aldeados, como os de etnias de recente contato”, completa.
Além dos insumos e dos equipamentos às unidades de saúde, o projeto contou ainda com a distribuição de 1.240 cestas de alimentos e produtos de limpeza para comunidades indígenas – especialmente nas regiões da Transamazônica, Tapauá, Lábrea e Humaitá. Esse volume é parte das mais de 7,4 mil cestas entregues desde dezembro.
[h3]Equipamentos novos, problemas antigos[/h3]
[h3]Janeiro e fevereiro de pressão e “absoluto desespero” em Manaus[/h3]
Henrique Santiago Alberto Carlos, do WWF-Brasil, viu de perto o colapso do sistema público de saúde em Manaus nos meses de janeiro e fevereiro, quando os hospitais públicos e privados ficaram sem oxigênio, e centenas de pacientes morreram com sintomas graves de Covid-19. O Estado só tem UTIs na capital e já contabilizou quase 12,7 mil mortes pela doença.“A pandemia em Manaus, este ano, foi um massacre – o mais próximo que eu já pude ver de um cenário de guerra. Atingimos nos dois primeiros meses de 2021 o mesmo número de mortos de 2020 inteiro”, recorda Carlos. “A lotação do sistema de saúde, a falta de insumos básicos como oxigênio, a ingerência política sobre a pandemia e o desrespeito da população às medidas de distanciamento físico, assim como a nova variante do vírus, geraram um cenário muito dramático, com cenas de absoluto desespero.”
Mesmo assim, o analista de conservação sênior do WWF-Brasil enxerga uma luz: “Um projeto como esse ensina muita gente a confiar nas redes de organizações locais formadas a partir da confiança institucional e pessoal. As populações amazônicas sabem como lidar com seus problemas e sabem construir boas soluções para o seu território. Contar com elas para esse processo foi fundamental”.
Mariazinha reforça: os povos indígenas têm esperança de que a atual crise seja superada, mas desde que a sociedade, como um todo, repense sua forma de lidar com o planeta. Especialmente no que se refere à mudança de hábitos que impactam negativamente e causam desequilíbrio no meio ambiente. “A mensagem que fica para a humanidade é de mudança e de reflexão de que nós somos responsáveis por tudo isso, e nós, como povos indígenas, estamos fazendo a nossa parte – a natureza é nossa mãe e nossa casa, por isso a gente luta por ela”, afirma a líder, que observa que a Covid-19 não matou apenas indígenas, mas centenas de milhares de pessoas das mais variadas raças e classes sociais. “Não vai ser o dinheiro que vai salvar o mundo”, acrescenta.
Toda essa ação do WWF-Brasil também contou com a parceria do WWF-Alemanha, do Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha, da Aliança para o Desenvolvimento Sustentável do Sul do Amazonas e de mais de 70 organizações locais. A região escolhida, historicamente uma das mais impactadas por crimes ambientais, concentrou 70,3% dos focos de queimadas e mais de 90% do desmatamento detectados no Estado do Amazonas em 2020, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).