A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) realizou nesta quinta-feira, 22, coletiva de imprensa sobre a demarcação do território indígena do povo Mura em Autazes (AM). Apesar de existir decisão judicial determinando a demarcação da terra indígena, o território vem sendo alvo de pressão econômica e política para favorecer a exploração de potássio na região.
O evento contou com a participação do coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, do coordenador secretário da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), Eliomar Rezende Tukano e do coordenador da regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Manaus, Emilson Frota Munduruku.
Um dos assuntos abordados na coletiva foi a declaração preocupante do governador do Amazonas, Wilson Lima, que, no último dia 18, afirmou ser “totalmente contra” a demarcação dos territórios indígenas do povo Mura em Autazes (AM), alegando que a presença de um território demarcado irá impedir a exploração mineral de potássio e inviabilizar a produção da bacia leiteira da região. Preocupante porque a declaração do governador desconsidera os mais de 200 anos de ocupação ancestral do povo Mura na região, a luta que já dura 20 anos pela demarcação e os direitos constitucionais dos povos indígenas.
O coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, apontou que a gestão Wilson Lima não convidou a organização para nenhuma conversa sobre o tema até o momento. “Não fomos procurados nenhuma vez para dialogar sobre a situação da exploração de potássio no território Mura. O governo não manifesta interesse em conversar com os povos indígenas do estado. O estado do Amazonas deve respeitar o que diz a Constituição. As populações Mura precisam ter direito à consulta livre, prévia e informada”. O coordenador regional da Funai reafirmou que a organização dos Mura de Autazes, o Conselho Indígena Mura, também não foi procurado pelo governo e não há diálogo estabelecido.
O representante da Apiam, Eliomar Tukano apresentou o posicionamento da organização diante da afirmação do governador. “Nós estamos ouvindo, consultando e articulando com as nossas organizações de base. Nós defendemos o direito, o protocolo de consulta e a organização do povo Mura, respeitando a autonomia e o bem viver dos povos indígenas. Nós repudiamos veementemente essa declaração do governador do Amazonas, e dizemos: não abriremos mão de nossos territórios”, declarou.
Sem a demarcação, lideranças do povo Mura das comunidades Soares e Uricurituba enfrentam, há quase 15 anos, o assédio da empresa Potássio do Brasil, que tem realizado incursões e instalado placas de propriedade dentro do território indígena, pressionando indígenas a venderem suas terras.
A demarcação é um direito assegurado aos indígenas na Constituição de 1988, ressaltando o caráter originário e tradicional da ocupação das terras. O território das comunidades Soares e Uricurituba já é reivindicado desde 2003. “Respeitar o direito ancestral é respeitar quando uma comunidade diz que um local é território dele. Isso é o direito imemorial dos povos indígenas, e está na Constituição”, pontuou o coordenador-geral da Coiab. Há 20 anos o povo Mura aguarda o início do processo demarcatório pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Em 2018, os próprios indígenas iniciaram a autodemarcação, processo que resultou na delimitação da[highlight= rgb(255, 255, 255)] Terra Indígena Soares/Urucurituba.
Em 2008, cinco anos após o pedido de demarcação da terra indígena, a empresa de exploração mineral Potássio do Brasil – que pertence ao banco canadense Forbes & Manhattan – tentou iniciar a exploração de potássio na região. Estudos mostram que a mina de silvinita fica dentro do território de Soares, impactando diretamente esta comunidade, e que o porto de escoamento do potássio será muito próximo de Urucurituba.
A Potássio do Brasil afirma que já realizou consulta prévia dos povos indígenas da região, mas os documentos apresentados pela empresa consideram apenas as comunidades de Jauary e Paracuhuba, deixando de fora a TI Soares/Urucurituba.
No Protocolo de Consulta e Consentimento do povo Mura de Autazes e Careiro da Várzea, a área de Soares/Urucurituba está incluída, e o documento afirma qie “quem toma as decisões são todos os Mura das aldeias: idosos, sábios, pajés, mulheres, homens, jovens lideranças, professores, profissionais indígenas de saúde, parteiras, todos tomam decisões e há a maneira certa para isso. Por isso nós organizamos o nosso trabalho como está no Protocolo: se os não-índios seguirem nossas determinações, a consulta irá valer. Se não seguirem, não vai valer”.
A empresa alega que a exploração não vai causar impacto a terras indígenas “homologadas”, versão sustentada nos discursos do Governo do Amazonas, e que desconsidera que a mina de potássio está localizada dentro do território da TI Soares/Urucurituba, que está em processo de demarcação.
Vale destacar que a Justiça Federal já determinou à Funai que realize o processo de demarcação do território. A ocupação do território pelos Mura tem mais de 200 anos, segundo documentos e estudos citados pela própria juíza Jaiza Fraxe em sua decisão. A Funai, no entanto, recorreu e justificou a omissão com a defesa do marco temporal, tese jurídica em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Com a nova gestão da Funai, o coordenador regional de Manaus, Emilson Frota Munduruku declarou que nesse momento aguardam posicionamento da sede do órgão em Brasília para a continuidade do processo de demarcação. O coordenador afirmou durante a coletiva como o discurso do governador é nocivo para a população Mura em Autazes. “Essa fala é muito violenta. Empreendimentos como o do potássio vêm acompanhados de muita expectativa de investimento financeiro, as empresas querem acelerar o processo de licenciamento, e por isso invisibilizam os povos indígenas. Colocar os Mura como impedimento do desenvolvimento regional é colocar os munícipes em rota direta de colisão com os indígenas, incentivando a animosidade e violência contra os Mura na região”, completa.
Defendida pela bancada ruralista, a tese defende que indígenas que não estavam de posse de seus territórios em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, perdem seus direitos sobre essas terras, ignorando processos históricos de invasão e violências sofridas pelos indígenas ao longo de séculos de violações de direitos.
Em decisão de 11 de maio deste ano, a Justiça Federal determinou a declaração de nulidade de todos os contratos de compra de propriedades firmados entre a Potássio do Brasil e indígenas, que se disseram pressionados a vender suas terras. A Justiça também determinou que a empresa retirasse as placas de identificação do empreendimento, instaladas à margem dos territórios tradicionais, e a apresentação do Estudo de Componente Indígena (ECI).
Nesta sexta, 23, está marcada uma Audiência Pública para debater a demarcação de terras indígenas em Autazes, convocada pelo vereador José Tadeu Martins (PSC). Na coletiva, o representante da Funai apontou que o Conselho Indígena Mura ainda não confirmou participação na Audiência, devido à animosidade contra os indígenas na cidade.