“Leilão do fim do mundo” ameaça povos indígenas isolados no Pará

O mesmo projeto político que criou o Ministério dos Povos Indígenas leiloa as vidas indígenas ao ir na contramão dos acordos contra combustíveis fósseis

Publicada em: 13/12/2023 às 00:00

Nesta quarta-feira (13/12), a Agência Nacional de Petróleo colocará a leilão mais de 600 áreas para exploração petroleira no Brasil, em uma ação contraditória a todo o discurso para diminuição do uso de combustíveis fósseis apresentado durante a Conferência do Clima que aconteceu em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos de 30/11 a 12/12.

Dentre os mais de 600 blocos, 21 estão na bacia do rio Amazonas. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá Norte do Pará (Apoianp), Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa) e a União do Território Wayamu* expressam profunda preocupação com este leilão, pois 12 desses blocos afetam diretamente 21 terras indígenas na Amazônia. De forma ainda mais preocupante, o bloco AM-T-38 irá afetar diretamente dois povos indígenas isolados, os Isolados do Pitinga e Isolados do Kaxpakuru, no Pará.

A proteção dos territórios indígenas com presença de povos isolados é fundamental para garantir o bem viver desses grupos.

Além dos nossos parentes em isolamento, o leilão pode afetar mais de 47 mil km² de Terras Indígenas, impactando 21.910 indígenas, dos povos Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/Nhamunda-Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana, na Amazônia, e Xokleng em Santa Catarina.

O instituto Arayara mapeou que a maioria dos blocos disponíveis no leilão estão com alguma sobreposição a critérios impeditivos da própria ANP, incluindo a exploração em áreas sensíveis como a Costa Amazônica, Noronha e Abrolhos, à revelia de pareceres técnicos.

[highlight= rgb(255, 255, 255)]O Instituto Arayara aponta que nenhuma das comunidades foram consultadas, sendo essa uma das maiores preocupações das organizações indígenas. A consulta livre, prévia e informada é prevista pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Arayara entraram com ações civis públicas pedindo a retirada de 77 blocos ofertados no leilão.

[highlight= rgb(255, 255, 255)]Ainda, além dos riscos ambientais, que já são alarmantes, há o risco de aumento de pressões e ameaças nos territórios, alteração da fauna e flora, ameaças aos modos de vida dos povos indígenas, aumento de problemáticas socioambientais e socioculturais, impacto das construções de infraestrutura, devastação ambiental, desmatamento, contaminação das águas e muitos outros problemas.

A Coiab, Apiam e a União do Território Wayamu também questionam como o Brasil pretende cumprir as metas para barrar a crise climática e de redução do uso de combustíveis fósseis, quando um dia após a COP 28, leiloa áreas com potencial de emissão de carbono que anulam todo o esforço para preservar a Amazônia e zerar o desmatamento.

A Amazônia brasileira vive a maior seca dos últimos 40 anos, ao todo, 62 cidades no estado do Amazonas decretaram estado de calamidade pública em decorrência da estiagem. Os povos indígenas menos contribuem para os efeitos da crise climática, mas são os que mais sofrem. Esse estado de calamidade pública revisitou ainda mais vulnerabilidades que os povos indígenas enfrentam, isso se não contarmos com os impactos posteriores dessa seca, como os problemas de saúde, a educação prejudicada, a renda das famílias, a mortandade dos animais.

Nesses momentos de vulnerabilidade extrema, empresas como a Petrobras, Potássio do Brasil, e outras, aproveitam para levarem narrativas falsas sobre melhorias nas comunidades, contanto que aceitem a exploração em seus territórios ou no entorno. As promessas são de solucionar questões que o Estado tem responsabilidade, como saneamento básico, infraestrutura, saúde e educação, acesso à energia e água, entre outras. Essa estratégia expõe as lideranças indígenas, aumenta conflitos, e desestrutura comunidades inteiras com base em falsas promessas.

As lideranças indígenas foram à COP28, em busca do diálogo com os governos, pois não há saída para a crise climática sem um esforço conjunto. Os povos indígenas prestam o serviço de cuidar dos biomas em todo o mundo, mas não é possível que este trabalho continue apenas na responsabilidade das comunidades, é preciso que as palavras se convertam em ações reais. No Brasil, o mesmo governo que criou o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) não pode ser o que leiloa a vida dos povos indígenas. O mesmo governo que leva uma das maiores representatividades indígenas para a Conferência do Clima precisa se comprometer de verdade em defesa da vida dos povos indígenas.

*A União do Território Wayamu é formada por sete organizações: Associação Indígena Kaxuyana, Tunayana e Kahyana (Aikatuk), Associação dos Povos Indígenas do Mapuera (Apim), Associação dos Povos Indígenas Trombetas Mapuera (Apitma), Associação de Mulheres Indígenas da Região do Município de Oriximiná (Amirmo), Associação dos Povos Indígenas Wai-Wai (Apiw), Conselho Geral do Povo Hexkaryana (Cgph), Associação Aymara