Gigante do setor elétrico instalou postes de luz para invasores em terra indígena com isolados

Infraestrutura ilegal foi identificada pelo Ibama na Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará, que vive escalada de desmatamento; empresa admitiu infração ao órgão

Publicada em: 07/12/2021 às 00:00

A Equatorial Energia, única concessionária de energia do Pará, instalou infraestrutura e está fornecendo energia elétrica para invasores na Terra Indígena Ituna-Itatá (PA), morada de indígenas isolados na Amazônia.

Povos indígenas isolados vivem sem contato com não indígenas e até mesmo outros povos indígenas, e são totalmente dependentes da floresta preservada para sobreviver. A notícia foi veiculada pelo jornal Folha de S.Paulo em 30 de novembro deste ano.

A terra Ituna-Itatá é alvo de uma escalada de invasão de grileiros desde 2017, que ameaçam os isolados, sobreviventes de massacres e perseguições. “A existência de desmatamento e invasão no território não é novidade, mas a conivência por parte de uma empresa detentora de uma concessão estatal é chocante”, afirma Angela Kaxuyana, a Coordenação das Organizações dos Indígenas Amazônia Brasileira (COIAB).

Ao menos oito pontos de luz foram instalados para invasores , segundo o Ibama, que já emitiu três autos de infrações contra a empresa, totalizando uma multa de R$ 2.732.500 Antes das multas, o órgão já havia feito ao menos duas notificações para a retirada dos postes, mas nada foi feito.

Em 2017 e 2018, a Equatorial chegou a solicitar ao Ibama e à Funai autorização para instalar a infraestrutura no território, mas teve o pedido negado nas duas vezes. A resposta da Funai foi enfática: ao negar o pedido da empresa, ela destaca que esse tipo de infraestrutura ajuda a consolidar a invasão na área. Mesmo assim, a Equatorial manteve a instalação de postes para os invasores e chegou a instalar um contador de energia dentro da terra indígena.

Um dos clientes da Equatorial em Ituna-Itatá é Walter Rosa Alvino, denunciado pelo MPF (Ministério Público Federal) à Justiça Federal por desmatar 48 hectares de floresta intacta dentro da terra indígena. Nos autos, ele nega o crime.

Segundo a notícia da Folha de S. Paulo, Alvino, que possui um Cadastro Ambiental Rural (CAR) dentro do território, entrou com uma ação na Justiça para tentar legalizar a invasão. Ele alega que foi o beneficiário de uma generosa doação de 2.337 hectares de floresta do governo estadual, em 2010. No processo, a Procuradoria-Geral do estado do Pará afirma que essa doação inexiste.

“A Terra Indígena Ituna-Itatá se encontra atualmente sob intensa pressão e invasão por parte de agentes econômicos da região. Tal ocupação irregular vem comprometendo seriamente as condições de sobrevivência dos possíveis índios isolados na área, conforme relatado em diversas denúncias feitas por esta Funai”, afirma o órgão indigenista federal, em manifestação no processo movido por Alvino.

Desestruturar a infraestrutura dos invasores tem sido uma maneira de o Ibama combater as invasões frente à expansão da grilagem e do desmatamento nas Terras Indígenas. Enquanto fornece luz para criminosos, a Equatorial investe em uma imagem “verde”, interessada na proteção da Amazônia, participando com stands de eventos como o Amazonia in Foco, organizado pela Eurocâmaras Brasil, Câmara de Comércio da Finlândia no Brasil (Finncham Brazil)[/url] e Câmara Oficial Espanhola de Comércio no Brasil[/url].A energia que nós temos também pode trabalhar em conjunto com a preservação da nossa natureza”, disse, em vídeo nas redes sociais publicado durante o evento, a analista de sustentabilidade Michelle Miranda.”

O Ibama indica que a Equatorial cometeu infração ambiental por ter instalado infraestrutura de energia sem autorização dos órgãos competentes (Ibama e Funai).

A instalação de energia para invasores é inconstitucional, pois contraria o artigo 231 da Constituição, que garante o usufruto exclusivo dessas terras pelos indígenas. Além disso, mesmo após notificação, ela não empreendeu o desligamento dos pontos de luz como solicitado pelo Ibama, agravando a infração. A Equatorial reconhece a instalação dos pontos de energia e tenta negociar a multa que deve ao Ibama por meio de uma audiência de conciliação.

Território de indígenas em isolamento, a TI vive uma explosão da grilagem desde 2017. O território é delimitado por uma portaria de restrição de uso, mecanismo legal que estabelece medidas de proteção e que deve ser renovado em 9 de janeiro de 2022. Parte da elite ruralista local, como o senador Zequinha Marinho (PSC-PA), tem pressionado a Funai para reduzir a área protegida.

O desmatamento na Ituna-Itatá teve início em 2016 e cresceu exponencialmente até atingir seu ápice em 2019, com assustadores 11.985 ha de floresta derrubada:

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Terra Indígena Apyterewa

Outro caso grave envolvendo a Equatorial ocorre na Terra Indígena Apyterewa. O território dos indígenas Parakanã foi um dos campeões de desmatamento em 2021 e é onde o desmatamento está mais acelerado dentre todas as Terras Indígenas da Amazônia. As invasões e a destruição continuaram mesmo após uma grande operação feita pelo Ibama no início de 2020, o que tem alarmado as autoridades para a persistência e empoderamento dos grileiros.

Nessa TI, pontos de luz identificados pelo Ibama abastecem invasores na Vila Renascer, uma vila de grileiros. A Equatorial alega que esses pontos de luz são clandestinos. Mesmo assim, a empresa descumpriu suas obrigações ao não desativar ligações clandestinas, o que ainda não foi feito mesmo após um ano da notificação do Ibama, que já multou a concessionária de energia. No processo, a Equatorial reconheceu a irregularidade e manifestou interesse em conciliação para redução do valor da multa de R $201 mil.

A Apyterewa é a segunda terra indígena com maior desmatamento acumulado do país, com 89.121 hectares de floresta derrubada, o equivalente a 11% de sua superfície. Segundo dados do Prodes, o sistema de monitoramento do desmatamento da Amazônia do Inpe, o desmatamento cresceu exponencialmente a partir do ano de 2017:

O grave cenário de destruição é resultado de um processo coordenado de grilagem de terras, que conta com o fomento ilegal por parte da prefeitura de São Félix do Xingu e até mesmo de uma coordenação da Funai na região. Como revelou reportagem publicada pela Folha em 5 de setembro de 2020, as invasões são posteriores à homologação e estão se consolidando graças a infraestruturas instaladas ilegalmente, que já conta com rede de energia elétrica, postos de gasolina e internet.

A manutenção do fornecimento de energia elétrica viabiliza a continuidade e a expansão das invasões e do desmatamento no território. Monitoramento do boletim Sirad X, da Rede Xingu +, mostrou que entre janeiro e setembro de 2021, foram desmatados 6,2 mil hectares na Terra Indígena Apyterewa, dos quais 2.480 ha apenas no mês de setembro. A desintrusão da Apyterewa se arrasta desde o ano de 2011.