Quando a pandemia de COVID-19 se abateu sobre a Amazônia, um dos principais problemas que surgiram foi: como levar informações qualificadas para o interior da região norte, onde a Internet é precária e os veículos de comunicação não chegam?
Mais grave ainda – como levar informações confiáveis e de qualidade para as populações indígenas da região, cuja conversa ainda encontra barreiras na questão do idioma, das questões locais e das culturas diferenciadas?
Para tentar resolver este problema, a COIAB, junto a algumas organizações parceiras – como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), utilizando recursos da USAID – montaram um projeto que foi executado na virada de 2020 para 2021: Povos Indígenas da Amazônia Contra a COVID-19 – PIACC.
Desenvolvido durante seis meses, de novembro de 2020 a março de 2021, o PIACC foi estruturado em quatro eixos distintos: doação de materiais de higiene para enfrentamento à pandemia, fortalecimento da rede de jovens comunicadores indígenas, promoção da saúde mental indígena e ações de proteção à criança, jovem e mulher indígena.
Com exceção do primeiro eixo, que teve uma ação bem específica, os outros três eixos foram trabalhados de maneira conjunta e simultânea. As organizações de base da COIAB – por meio de suas lideranças, mobilizadores e jovens comunicadores – se articularam para realizar oficinas e rodas de conversa, feitas virtualmente em cumprimento às orientações de distanciamento social.
Rede de comunicadores
“Aproveitamos as oficinas para falar de vários assuntos com os jovens comunicadores. Queríamos que eles tivessem acesso à informação de qualidade e que pudessem repassar essas informações a suas famílias e suas comunidades. Neste período de pandemia, avaliamos que esta seria a nossa maior contribuição”, explicou a Coordenadora-Executiva do PIACC, Suzy Evelyn Silva.
O primeiro eixo de atuação do projeto envolveu a entrega de mais de 53 mil kits de higiene, que foram distribuídos inicialmente em quatro estados: Amazonas, Pará, Roraima e Acre – na reta final, o Amapá também foi incluído. Neste kit, constavam itens como sabonete, água sanitária, álcool e detergente. Mais de 40 mil famílias foram beneficiadas com esta entrega, que contou com a participação das lideranças de cada região.
O trabalho com os jovens comunicadores, por sua vez, envolveu o fortalecimento do trabalho que vários deles já faziam em suas comunidades e como integrantes da Rede de Jovens Comunicadores da COIAB. Videomakers, fotógrafos, blogueiros e youtubers indígenas foram convidados para este projeto – eles participaram de uma série de oficinas que discutiu temas diversos, como formação política, história do movimento indígena e técnicas de comunicação. Foram capacitados 31 jovens, de 29 povos indígenas distintos, dos nove estados da Amazônia, indicados por lideranças regionais da Rede COIAB.
Traduzir
Além disso, utilizando conceitos da Educomunicação, o projeto apoiou a confecção de produtos que pudessem ser distribuídos nas redes e grupos em que esses jovens atuam. Estão em produção, com previsão de finalização para esta primeira quinzena de abril, 31 videos, 6 podcasts, uma animação, cartazes e cartilhas que tratam de temas como saúde mental indígena em tempos de pandemia, como identificar a violência contra a mulher e como proteger meninos e meninas indígenas de violações de direitos. Os materiais serão traduzidos para línguas indígenas e serão distribuídos por toda a Amazônia.
Para que tivessem seu trabalho potencializado, esses jovens receberam ainda o que foi chamado de “kit conectividade” (contendo celular, plano de dados móveis, capa e carregador) e um “kit visibilidade”, com camisa, boné, mochila, canetas e cadernos temáticos sobre o PIACC.
“Nós, da COIAB, esperamos que esses jovens entendam a importância deles para o movimento indígena. Várias notícias falsas estão dificultando a vacinação contra a COVID-19. Então eles têm essa função de traduzir essas mensagens e divulgá-las de um jeito que seus parentes entendam, de disseminar informações do que ocorre em suas aldeias e de fortalecer o movimento indígenas como um todo”, disse Suzy.
Debates e oficinas
O estudante de Biologia Pepyaká Krikati, 29, contou que a experiência junto ao PIACC foi muito importante para ele e para todos os jovens comunicadores: “As oficinas me ajudaram a conhecer um pouco de vários assuntos: discutimos teoria e prática de saúde indígena, os desafios das mulheres da Amazônia, psicologia da floresta e técnicas de comunicação”.
“Participar desses debates em plena pandemia foi algo especial. Muitas vezes tivemos dificuldades por conta da conexão com a Internet, mas eu amei participar. Para mim essa experiência foi de suma importância, já que vou continuar este trabalho de compartilhar informações sobre a COVID-19 com a minha comunidade”, disse o jovem.
Pepyaká foi indicado pela Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima) e desenvolve um trabalho fotográfico que pode ser acompanhado [/url]aqui[/url].
Valorização
Indicada pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), Eliane Isabela Pymydy, de 25 anos, contou que ficou muito feliz de ver que a COIAB leva a sério o trabalho dos jovens comunicadores. “Participar do PIACC foi uma oportunidade muito enriquecedora, pois pudemos nos aprimorar como comunicadores, fortalecer nossas redes locais e sentir que os jovens comunicadores são valorizados pela COIAB”, afirmou.
Natural da região Serra da Lua, da comunidade indígena Tabalascada, Eliane faz parte da rede de jovens comunicadores Wakywai: “As oficinas foram ótimas para nos orientar sobre como lidar com a informação. O material feito por nós sobre violência e saúde mental vai ajudar muito os nossos parentes nas comunidades. Só tenho gratidão por participar do projeto e espero colaborar sempre. Estou disponível para somar forças”.
O encerramento do PIACC, no entanto, não é o fim das atividades desenvolvidas com a rede de jovens comunicadores indígenas. “Ao longo das oficinas, fomos descobrindo muitos talentos, jovens que cantam, que escrevem, que pintam. São novas maneiras deles se comunicarem com seus parentes”, disse Suzy.
Segundo a Coordenadora-Executiva, ficou claro também que as comunidades gostariam de continuar a discussão sobre violências e violações de direitos: “Existe espaço para desenvolvermos outros projetos, para criar e estruturar as redes e grupos de apoio. Estamos cheios de ideias para manter essas mobilizações. A discussão abriu um leque de várias possibilidades que a gente espera dar continuidade por meio de parcerias”.
Coordenadora tesoureira da COIAB, Angela Kaxuyana afirmou que a rede de jovens comunicadores indígenas é extremamente importante. “Essa rede é uma agenda positiva, um espaço de protagonismo dos jovens. Ela é o transmitir, o olhar dos povos indígenas através de quem está chegando agora no movimento. Essa rede liga o olhar dos jovens com a informação e experiência dos mais velhos, de quem veio antes. A comunicação é também um dos eixos de trabalho da COIAB, e uma das frentes que queremos fortalecer – daí a importância deste projeto”.
Formação e informação no combate à pandemia
Conheça o projeto PIACC, que promoveu oficinas formativas para jovens comunicadores indígenas de toda a Amazônia
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