COIAB: 32 anos de luta do movimento indígena na Amazônia brasileira

Declaração Acampamento Terra Livre 2021 - 19/04/2021

Publicada em: 19/04/2021 às 18:40

Há 32 anos, uma mulher do povo Tikuna estava muito doente e seu atendimento foi negado em um hospital público no Alto Solimões. Essa situação gerou grande indignação entre os caciques, que decidiram se mobilizar para reivindicar os seus direitos. Ao consultarem outras lideranças de organizações indígenas, perceberam que esta mesma situação também estava acontecendo em outros lugares da Amazônia. Assim, nasceu a COIAB, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. O objetivo foi unificar e ampliar a voz dos povos indígenas, potencializando a luta pelo reconhecimento e exercício dos nossos direitos.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado Brasileiro passou a reconhecer nossos costumes, línguas, crenças, tradições e as terras que tradicionalmente ocupamos. Neste momento de transformação social e política no Brasil, defendemos a nossa autonomia, através da articulação política e do fortalecimento das nossas organizações de representação.


Após intensas mobilizações, conquistamos as políticas públicas diferenciadas de educação, saúde, proteção e gestão dos nossos territórios. Demarcamos nossas terras indígenas e construímos uma educação escolar específica, diferenciada, intercultural, multilíngue e comunitária. Em instâncias de deliberação e controle social, participamos da criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e da construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI).

Hoje, após mais de três décadas de existência, somos uma grande maloca. Abrigamos uma diversificada rede organizacional atuante em nove estados da Amazônia (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).
Nossas estratégias e ações são articuladas entre federações regionais e inúmeras associações locais, organizações de mulheres, professores, estudantes, profissionais da saúde, jovens comunicadores, advogados, entre outros coletivos indígenas.

Defendemos os interesses e direitos de uma diversidade de povos com diferentes línguas e costumes e em distintas situações de contato com o não-indígena. Desde aqueles que estão vivendo nas cidades, até aqueles que resolveram não aceitar o contato com a sociedade nacional e permanecem em situação de isolamento nas florestas. Somos os protagonistas de uma história de resistência, que se iniciou há mais de 500 anos, quando nossos territórios começaram a ser invadidos, e passamos a ser vítimas de perseguições, assassinatos, massacres, e outros tipos de violência como a discriminação e o racismo.

Hoje, apesar de alguns avanços e conquistas, não sabemos se podemos realmente comemorar. Estamos vivendo um dos momentos mais violentos dessa história de resistência. Todos os dias sofremos com os ataques desse (des)governo desmontando as instituições e leis indigenistas, e defendendo somente os interesses do agronegócio, da mineração e dos invasores dos nossos territórios. Todos os dias assistimos ao Presidente do Brasil adotando políticas genocidas contra os povos indígenas, e contra toda a humanidade.

Mas no meio dessa guerra, mostramos mais uma vez a nossa resiliência. Há um ano estamos protagonizando a luta de enfrentamento da pandemia nas cidades, comunidades e territórios indígenas da Amazônia brasileira. Desde março do ano passado, empreendemos uma intensa mobilização com nossas organizações de base para a implementação de um Plano de Ação Emergencial de combate à Covid-19. Um importante esforço coletivo para a realização de ações coordenadas entre comunidades, lideranças, organizações indígenas, apoiadores da sociedade civil e servidores públicos, com o objetivo de evitar que mais vidas indígenas sejam perdidas.

Neste um ano de pandemia, perdemos nossas anciãs, nossos velhos pajés, nossas lideranças históricas, nossos professores e mestres, nossos estudantes e jovens, nossos guerreiros e guerreiras. Perdemos, neste sábado, dia 17 de abril, em Manaus, Denisson Machado, do Tukano, colaborador incansável da COIAB e do movimento indígena do Amazonas.

Até o dia 13 de abril, foram 894 vidas indígenas perdidas na Amazônia brasileira, vítimas da Covid19, mas também do descaso, da omissão e da incompetência do governo federal em adotar medidas efetivas de atendimento à saúde às populações que vivem nas comunidades e aldeias, mas também nas cidades amazônicas. Muitas dessas mortes foram subnotificadas pelos dados oficiais do Ministério da Saúde. Por isso, nós tivemos que realizar o nosso próprio levantamento com informações complementares obtidas entre as lideranças e organizações da nossa rede e profissionais da Saúde Indígena.

Segundo um artigo escrito por membros da COIAB e parceiros, publicado neste mês na revista científica “Frontiers”, entre 23 de fevereiro e 3 de outubro de 2020, o número de mortes de indígenas, divulgado pelo Ministério da Saúde, é metade do que o número levantado pela COIAB. Já o número de casos da doença é 14% menor. Nosso estudo também revelou que a taxa de mortalidade indígena por 100 mil habitantes é 110% superior à média brasileira. Ou seja, nós, povos indígenas, estamos entre os grupos em situação mais vulnerável na pandemia da Covid-19.

É importante destacarmos que não estamos lutando apenas pelos nossos direitos. Estamos em defesa da água, da terra e do ar de todo o planeta. Estamos protegendo os rios e as matas e o clima. Estamos defendendo a garantia da vida de toda a humanidade. Somos os guardiões da floresta e estamos preocupados com o aumento das áreas desmatadas da Amazônia, que vem subindo em torno de 10% por ano. As terras indígenas sempre foram as grandes barreiras para o desmatamento, mas agora cada vez mais sofrem o aumento das invasões de grileiros, madeireiros e garimpeiros, e com os incêndios criminosos. São invasões e conflitos estimulados pelo próprio governo e seus grupos de aliados, que buscam legalizar crimes ambientais e acabar com os direitos territoriais dos povos originários.

Nossa luta é para garantir a existência de diversos modos de vida, e dos nossos territórios que também prestam serviços à humanidade. Queremos o respeitos aos nossos direitos para continuar compondo essa sociedade plural com nossas crenças, tradições e modos de vida nas aldeias e cidades e de forma autônoma nas florestas.

Centenas de indígenas foram assassinados nos últimos anos defendendo os nossos territórios. Em nome desses guerreiros, continuaremos lutando, com as forças dos nossos ancestrais, contra o extermínio dos povos indígenas. Hoje, a COIAB completa 32 anos de mobilização e articulação política, reafirmando a sua missão de lutar pelos direitos das populações indígenas da Amazônia Brasileira. Estamos resistindo há 521 anos e não será agora que desistiremos de viver!

19 de abril de 2021
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)