Apenas 22% dos indígenas da Amazônia tomaram a segunda dose da vacina contra a COVID-19 até agora

Incompetência e má-gestão ameaçam os indígenas do Norte do Brasil

Publicada em: 11/03/2021 às 02:00

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  • Estados mais críticos são Amazonas, Acre e Roraima, que vacinaram apenas 18,64%, 7,85% e 7,73% de seus cidadãos indígenas;
  • Dados oficiais não contemplam o total de indígenas amazônicos, pois não incluem indígenas que vivem em contextos urbanos, em áreas em conflitos ou em Terras Indígenas em processo de regularização.
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Quase dois meses após o início da vacinação contra a COVID-19 no Brasil, já está claro que o processo tem sido conduzido de maneira muito devagar.

Na Amazônia, não é diferente: levantamento interno conduzido pela COIAB mostra que, até a última quarta-feira, 10 de março, apenas 22,05% da população indígena da região recebeu a segunda dose da vacina contra o coronavírus. São pouco mais de 50 mil pessoas vacinadas de um universo maior de 230 mil indivíduos.

Os dados foram obtidos no portal do Ministério da Saúde que reúne dados específicos sobre a saúde indígena e que agrega informações da Rede Nacional de Dados em Saúde – RNDS.

Segundo os dados disponíveis, os estados com maior cobertura vacinal da população indígena são Amapá, Rondônia e Mato Grosso, que já vacinaram 55,46%, 38,96% e 34,36% de seus indivíduos maiores de 18 anos e que vivem em territórios homologados.

Os piores são Amazonas, Acre e Roraima, que atingiram um percentual de vacinados de 18,64%, 7,85% e 7,73% de seus indígenas. (Veja os dados completos na tabela acima).

A segunda dose da vacina é importante porque somente duas semanas após a aplicação dela o corpo do indivíduo começa a criar anticorpos neutralizantes, que barram a entrada do vírus nas células. Por isso, entidades como o Instituto Butantan e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) falam da necessidade de manter o distanciamento social, o uso de máscaras e a higienização constante das mãos mesmo após a aplicação da primeira dose.

A lentidão da vacinação é um dado preocupante, visto que ela se soma a vários outros problemas que acometem os indígenas hoje. Um deles é o surgimento de novas variantes do coronavírus, que aumentam o risco as quais os povos originários estão expostos. Uma delas, identificada como P1, não só foi descoberta em Manaus (AM), um dos epicentros da doença no mundo, como é mais transmissível e mortal que a cepa original do coronavírus.

Primeira dose

Quando se trata da primeira dose, a situação é um pouco melhor. Segundo os dados do Ministério da Saúde, a média de população indígena amazônica vacinada até 10 de março é de 56,64% dos indivíduos.

No ranking da primeira dose, a posição de cada estado muda de figura. Rondônia está na frente, tendo vacinado 74,69% de sua população, seguido do Amapá (69,15%) e do Tocantins, que já vacinou 63,91% de seus indígenas maiores de 18 anos.

Por outro lado, o Pará vacinou apenas 50,34% de sua população, com índices ainda mais baixos registrados em Roraima (47,85%) e uma situação ainda mais complicada no Acre, que vacinou apenas 32% de sua população.

O Acre enfrenta uma situação particularmente difícil, encarando ao mesmo tempo a pandemia da COVID-19, um surto de dengue e malária, uma crise migratória na fronteira com o Peru que parece ter arrefecido nos últimos dias e as alagações recentes dos rios Acre, Juruá, Purus e Tarauacá.

Exclusão

Para o técnico de projetos da COIAB Luiz Tukano, tão grave quanto os baixos números da vacinação é o fato de que os números do Ministério da Saúde não refletem o total da população indígena da Amazônia. “O existem diversos pontos que estamos levando em consideração quando o assunto é vacina em povos indígenas, dentre elas destacamos: a) os dados do SIASI (Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena) em muitos DSEIS não estão atualizados, havendo assim exclusão de indígenas não cadastrados e desconsiderando indígenas residentes fora do território abrangente dos distritos sanitários especiais de saúde indígena- DSEIs; b) a pouca disponibilidade das vacinas no país, que reflete diretamente na vacinação em Povos Indígenas; c) a lentidão de campanhas em alguns Distritos, pois depende muito de cada planejamento do distrito perante seus territórios, muitos com os desafios logísticos gigantescos; d) e por fim a lentidão de digitalização dos dados, que acarreta na visualização em tempo hábil os percentuais de vacina em povos indígenas.

O governo federal incluiu como público prioritário da campanha de vacinação contra a COVID-19 apenas os indígenas maiores de 18 anos que vivem em territórios homologados. Assim, indígenas que vivem em contextos urbanos, em áreas de conflito ou em processo de regularização não estão incluídos nos números oficiais da União.

Cabe lembrar ainda que os cálculos das vacinas destinadas aos povos indígenas se pautaram nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 – são informações, portanto, muito defasadas e que precisam de atualização o mais rápido possível.

Racismo estrutural

“Esse recorte deixa uma enorme parcela de nossos parentes sem acesso às vacinas. Algumas estimativas mostram que os indígenas que vivem em cidades somam quase 95 mil pessoas em todo o Brasil”, reclamou Luiz. Pesquisadores de várias instituições afirmam que esta medida revela uma tentativa de assimilação cultural e é mais uma amostra do racismo estrutural que atinge os indígenas brasileiros.

Luiz contou também que mesmo entre os indígenas que estão em territórios homologados existem percalços dificultando a vacinação: “Ouvimos muito dos parentes que em certos locais a Igreja não quer deixar as comunidades se vacinarem e estamos combatendo essa visão com campanhas e mensagens específicas. Além disso, existe ainda o problema da disponibilidade da vacina. Não temos vacinas para todos e nem sabemos quando chegarão novas doses”.

Crimes ambientais

Os indígenas que vivem nos territórios sofrem também com a ocorrência de ilícitos ambientais – os criminosos não fazem lockdown e os relatos recebidos pela COIAB são de que o desmatamento, a exploração predatória de madeira, as invasões aos territórios e a mineração ilegal se intensificaram de maneira seríssima durante a pandemia.

Segundo levantamento que a COIAB sobre a ocorrência da COVID-19 entre os povos indígenas da Amazônia, até 10 de março havia 35.601 casos confirmados entre este público, com 845 mortes e 146 povos atingidos. Amazonas, Pará e Roraima são os estados mais atingidos, com 8.948, 6.774 e 5.615 registros, respectivamente.

Os povos Xavante e Kokama, do Mato Grosso e do Amazonas, registraram o maior número de indivíduos mortos, com 81 e 58 falecimentos.