Lideranças indígenas da Bacia Amazônica se reuniram na última quinta-feira (10), em Brasília (DF), para denunciar os impactos da exploração de combustíveis fósseis em seus territórios. O encontro ocorreu na Tenda da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), durante o 21º Acampamento Terra Livre, e integrou o painel “Amazônia Livre de Petróleo e Gás: o fim da era dos combustíveis fósseis e transição energética justa”, promovido para reforçar a urgência de uma transição energética que respeite os direitos dos povos originários.
Durante sua fala, a liderança indígena Luene Karipuna, Coordenadora executiva da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP), fez um forte pronunciamento contra a exploração de petróleo e gás na Amazônia, com foco no bloco F59, localizado na Margem Equatorial. Luene denunciou os riscos socioambientais do projeto e criticou o discurso do governo brasileiro sobre transição energética.

Luene Karipuna | Foto: Kaiti Topramre
“É contraditório dizer lá fora que o país está combatendo os combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, leiloar blocos de petróleo na Amazônia dias depois da COP28”, afirmou.
Segundo ela, o bloco F59 é apenas uma das várias ameaças que pairam sobre os territórios indígenas da região. Localizado próximo à fronteira com a Guiana Francesa, o bloco representa, segundo Luene, uma “porta de entrada para explorar toda a região que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá”. Ela alertou que outros blocos já estão previstos para leilão e que o avanço dessa exploração tem sido sustentado por uma pressão política crescente, sem respeito aos saberes tradicionais ou ao direito à consulta dos povos originários.
Luene também chamou atenção para os impactos sociais que já atingem as comunidades, mesmo antes do início da exploração. Ela relatou o caso de uma adolescente de 15 anos estuprada e assassinada em Oiapoque, cidade afetada pela movimentação econômica gerada em torno do bloco. “Esse empreendimento já está causando impacto social. Eu mesma fui ameaçada, invadiram minha casa, tentaram me silenciar”, relatou.
Ela também denunciou o agravamento da crise alimentar em sua região, com a destruição das lavouras de mandioca, base da alimentação das famílias locais. “Estamos sob grande pressão política no Brasil para a exploração de petróleo. E vale lembrar, meus parentes e companheiros que estão aqui: os combustíveis fósseis são os maiores emissores de gases que aceleram a crise climática”, afirmou Luene, enfatizando a urgência de uma transição energética de verdade.
Diante desse cenário, Luene Karipuna reforçou a força da mobilização indígena que, segundo ela, tem sido decisiva para barrar o avanço do licenciamento do bloco F59. “Se esse processo ainda não passou, é porque o movimento indígena está segurando”, afirmou. Ao encerrar sua fala, convocou o público a se unir no grito de resistência: “Amazônia Livre de Petróleo e Gás”, simbolizando a luta coletiva por uma Amazônia viva e protegida.
O painel também contou com a presença da liderança Norma Ene Nenquimo, vice-presidente da Nacionalidade Waorani do Equador (NAWE), que fez um forte apelo em defesa do território ancestral de seu povo, denunciando a omissão do Estado equatoriano frente à decisão popular de barrar a exploração de petróleo na região do Yasuní.

Norma Ene Nenquimo | Foto: Kaiti Topramre
Em 2023, uma consulta popular apontou que 58% da população equatoriana votou contra a continuidade da atividade petrolífera. No entanto, segundo Norma, nenhuma medida foi tomada. “Depois dessa consulta não houve nenhuma resposta por parte do Estado equatoriano.” Ela reforçou que a luta dos povos indígenas é legítima e urgente. “A pergunta que eu faço é: qual é o futuro que nos espera se o governo continua ignorando o mandato popular para proteger nossa casa comum, que é o Yasuní?”
A liderança também compartilhou os impactos da exploração sobre o modo de vida dos Waorani, que enfrentam há décadas a falta de acesso a direitos básicos. “Nós, há 60 anos, vivemos sem garantia de uma vida digna. O povo Waorani não tem educação, saúde, nem sustentabilidade”, afirmou.
Ela destacou o papel fundamental das mulheres na resistência pela Amazônia. “A Amazônia é uma causa única. Nossa voz deve ser escutada. Acredito que nós, mulheres, somos a voz principal, Nós temos coragem, rebeldia, porque nossa casa não é qualquer coisa, nossa casa tem vida”. Encerrando sua fala com emoção, reafirmou o compromisso da luta indígena: “Nada sobre nós, nada sem nós, até as últimas consequências!”.
Em meio aos relatos de resistência contra a exploração de petróleo e gás, a presidente da Asociación de Cabildos Indígenas (ACIMVIP), Ingry Mojanajinsoy, da Amazônia colombiana, destacou o exemplo de luta e organização de sua comunidade. A liderança celebrou a vitória coletiva da expulsão de uma grande empresa petrolífera que havia se instalado em seu território.

Ingry Mojanajinsoy | Foto: Kaiti Topramre
“Nossa organização indígena tem desenvolvido diversas ações em defesa do território frente à ameaça da indústria do petróleo. Essa indústria, como foi relatado por outros parentes, também está presente em nosso território. No entanto, com organização e resistência, conseguimos expulsar uma grande empresa petrolífera da nossa região. Por isso, nossa principal recomendação é que articulemos os processos de luta em nossos territórios, fortalecendo as organizações de base, assim como as regionais e nacionais em defesa dos nossos direitos”, afirmou.
A estratégia de defesa do seu povo se baseia na vigilância ativa e no fortalecimento do autogoverno. “Realizamos atividades de monitoramento dos projetos petroleiros para nos manter vigilantes e preparados para responder aos ataques dessas empresas”, contou a liderança.
Além disso, reforçar a autonomia econômica é um dos caminhos adotados pela comunidade. “Fortalecemos nosso autogoverno para responder de forma autônoma, assim como nossas próprias economias visando a independência econômica dos nossos povos”, completou.
Ao fim de sua fala, fez um apelo por união. “Faço aqui um convite a todos os povos indígenas que hoje estão aqui presentes: que levantemos uma única voz, porque somos irmãos indígenas e juntos podemos defender os nossos territórios!”, clamou a presidente.
O Cacique Jonas Mura, da Terra Indígena Gavião, representando a Articulação dos Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), compartilhou os danos ambientais e culturais que sua comunidade enfrenta, alertando sobre o avanço das mineradoras e a omissão do Estado brasileiro.

Cacique Jonas Mura | Foto: Kaiti Topramre
“Hoje, estamos enfrentando um grande problema dentro do nosso território. Já estamos sendo diretamente atingidos pela exploração de gás. Nossa floresta, nossa fauna, nossos peixes, nossos animais estão desaparecendo. As grandes mineradoras estão ganhando espaço dentro do nosso território, invadindo, destruindo. E ainda temos um presidente que continua vendendo blocos dentro do nosso Brasil. Ele não pensa nas dificuldades dos povos indígenas, não considera que vivemos nesses territórios há décadas”, afirmou.
Cacique Jonas reforçou que os povos indígenas são os verdadeiros guardiões da terra e da vida. “Sem a população indígena no mundo, não há proteção, não há mudança climática. Se acabarem com os povos indígenas, acabam com as chances de reverter a crise cilimática”, declarou. Ele convocou parentes do Brasil e de outros países a se unirem na luta contra a mineração, o garimpo e os combustíveis fósseis. “Vamos somar forças e dizer não ao petróleo, não à mineração, não ao garimpo e vamos gritar juntos: demarcação, demarcação!”.
Encerrando os relatos das lideranças indígenas de diferentes partes da Bacia Amazônica, Aulaguea Ange Therese, Presidente da Federación de Organizaciones Autóctones de Guyana Francesa (FOAG), trouxe à plenária uma perspectiva geopolítica e coletiva para o enfrentamento à exploração petrolífera nos territórios. Reforçando que a problemática é global, o líder sugeriu que os povos indígenas articulem uma “narrativa de contraponto” à lógica petroleira. “Precisamos construir narrativas que façam frente à narrativa petroleira que está presente em nossos territórios”, afirmou.

Aulaguea Ange Therese | Foto: Kaiti Topramre
Nesse sentido, Aulaguea propôs uma articulação que vá além da resistência, com foco em proposições sustentáveis e alinhadas com os direitos dos povos originários. “Estamos numa lógica de proposição. Devemos consolidar nossas propostas por meio de ações concretas. Precisamos formular contrapropostas viáveis, tanto para a sociedade civil quanto para os governos”, declarou.
Entre os eixos sugeridos, a liderança apontou o fortalecimento da educação e da autonomia territorial como pilares. “É necessário definir eixos políticos, e um deles deve ser o investimento na educação. Também é fundamental que seja reconhecido o direito dos povos à autodeterminação sobre seus territórios ancestrais e isso deve ser respeitado dentro de cada contexto político, em cada país amazônico”, afirmou.
O líder destacou a urgência de fortalecer investimentos em educação, infraestrutura básica e direitos territoriais como eixo de políticas públicas que coloquem a vida e os povos no centro das decisões. “As populações que já sofrem com a falta de infraestrutura e serviços públicos, como na saúde, não podem ser ainda mais penalizadas por decisões que aprofundam as desigualdades”, alertou. Para ele, a saída para a crise climática e social não virá da manutenção de estruturas que sustentam a exploração, mas sim da construção de soluções energéticas justas, como alternativas ao uso de combustíveis fósseis. “O que nós precisamos é de apoio para que nossos direitos sejam respeitados e isso não será trazido pelo petróleo ou por outros tipos de extrativismo.”
Por fim, o presidente da FOAG ressaltou a importância de fortalecer alianças políticas e comunitárias em escala internacional. Ele anunciou a realização, no mês seguinte, do Encontro das Três Bacias — Amazônia, Congo e Sudeste Asiático — como espaço estratégico para o avanço de propostas dos povos indígenas nos debates sobre modelos de desenvolvimento e políticas públicas globais. E encerrou seu discurso com a seguinte reflexão: “O local deve alimentar o pensamento regional; o regional deve alimentar o pensamento nacional; o nacional deve alimentar o internacional e o internacional deve, por sua vez, alimentar o pensamento global”.