A ascensão da cacica Kaiapó

O-É Paiakan assume cargo em maio de 2021, aumentando a representatividade feminina entre as lideranças de seu povo

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Publicada em: 08/03/2021 às 02:00

Maio de 2021 promete ser um mês especial para os Mẽbêngôkre-Kayapó, povo indígena do Sul do Pará. É que, naquele mês, a assistente social O-É Paiakan Kaiapó, de 36 anos, assume o cacicado da Aldeia Krenhyedjá, na cidade de Ourilândia do Norte, no Pará.

Sua ascensão ao posto de “cacica”, como são chamadas as mulheres que exercem esse cargo, abre mais uma porta para a representação feminina dentro das organizações indígenas, reforçando uma tendência que vem ganhando força na última década.

O-É não é novata nos movimentos sociais: desde 2013 ela participa de reuniões e mobilizações indígenas. Ela é assistente administrativa da Associação Floresta Protegida e secretária da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab). Em fevereiro de 2021, foi selecionada para o Mestrado em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ano passado, tornou-se presidente do Instituto Paiakan, fundado em homenagem a seu pai, o notório líder Paulinho Paiakan.

Quebrando barreiras

É de seu pai, aliás, que O-É diz virem as primeiras memórias relativas a reuniões, discussões, encontros e debates. “Sempre trabalhei com o meu povo e para o meu povo, mas preciso reconhecer que foi meu pai quem quebrou barreiras para que eu e minhas irmãs pudéssemos andar na cidade e pudéssemos estudar”, afirmou.

Para aqueles pouco familiarizados com o assunto, o cacique – ou cacica, no caso das mulheres – é uma autoridade política das aldeias indígenas. É um cargo que passa de pai para filho. O cacique tem autonomia e representa sua aldeia em fóruns externos, é o porta-voz daquela comunidade e organiza aquela população para recebimento de benefícios sociais e para manifestações culturais. Ele também media conflitos e atua como árbitro em discussões.

O-É faz parte de uma geração de lideranças femininas que, desde criança, acompanha seus pais e avós nas reuniões e deliberações das associações indígenas. “Existe um marco sendo ultrapassado, com certeza. Fui preparada pelo meu pai e tive experiências e orientações com meu avô. Ter mulheres que foram formadas por figuras masculinas é uma realidade recente, mas muito presente no movimento indígena de hoje”, afirmou a liderança.

Universidade Kayapó

A aldeia Krenhyedjá, que O-É vai assumir, possui hoje três famílias. Um dos objetivos de seu trabalho é melhorar a estrutura daquele local: “Em nossa área existe uma nascente importantíssima, que é a nascente do Rio Vermelho, chamado pelo meu povo de Rio Krenieja. Ali aconteceu um encontro histórico entre os Kayapó e os Xikrin nos anos 60. Uma das maiores missões que terei é estar junto de outras lideranças para proteger e cuidar desse lugar”.

O-É contou também que o grande projeto que imagina para sua aldeia e seu povo é a instalação de uma Universidade Kayapó. “Esta é uma ideia de meu pai que pretendo concretizar. Queremos que os jovens tenham uma visão e um conhecimento mais amplo da nossa história. Para que eles saibam que foram os atores mais importantes de nosso passado e conheçam nossos anciões, as nossas bibliotecas vivas”, explicou.

O-É disse ainda ver uma grande diferença na maneira como homens e mulheres exercem o ofício de cacique. “Sinto que as mulheres complementam a visão dos homens. Elas sempre são as primeiras a sentir e ver as mudanças nas famílias. Elas buscam água, mexem na terra e falam com mais propriedade sobre saúde e educação”, afirmou.

Celebração

Para marcar a nomeação de O-É, os Mẽbêngôkre-Kayapó preparam uma grande celebração a ser realizada no mês de maio, caso a pandemia do coronavírus permita. Eles abriram até uma vaquinha on-line para arrecadar fundos para esta festa.

É importante lembrar também que O-É não é a primeira cacica Kaiapó. Há nove anos mulheres têm sido nomeadas para este posto. Na Terra Indígena Kayapó, dos 54 caciques que exercem este cargo hoje, seis são mulheres. A primeira delas foi nomeada em 2012.

Atualmente, O-É se dedica à preparação para se tornar uma cacica. Entre seus orientadores estão a tia Tuíra Kaiapó – famosa pela participação decisiva no Primeiro Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, realizado em Altamira (PA) em 1989; assim como pela cena em que pôs um facão no rosto do então diretor da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes – e os tios Kaykware Kaiapó e Nhak-ê Kaiapó.

Até junho do ano passado, antes de ser levado pela COVID-19, seu pai, Paulinho Paiakan também fazia parte deste grupo. “Lembrar do meu pai sempre mexe com o meu emocional. Mas sei que tenho estrutura e preparo para levar essa linhagem de liderança adiante. Além disso, vou trabalhar com muita garra, força e amor”, afirmou O-É.