Xingu: a consulta é nosso direito!

Justiça Federal anula nomeação de militar como coordenador da Funai no Xingu, feita de forma irregular e sem a consulta aos povos indígenas

Publicada em: 12/04/2021 às 02:00

Após uma série de denúncias das lideranças indígenas do Xingu, a Justiça Federal anulou a Portaria n. 428, de 9 de abril de 2020, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que nomeou o subtenente do Exército Adalberto Rodrigues Raposo para exercer o cargo de Coordenador da Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Canarama, no Mato Grosso. A sentença[/u], publicada na última quarta-feira (7), determinou ainda que União e Funai só nomeie outro coordenador após consulta prévia aos indígenas da região. Em caso de descumprimento, foi estabelecida uma multa diária de R$10 mil.

A decisão da Justiça foi fundamentada na ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas atendidas pela Coordenação Regional do Xingu, que abrange 16 povos indígenas, mais de 105 aldeias e uma população de 7,5 mil pessoas. A consulta aos indígenas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, está prevista no artigo 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada no Brasil pelo Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004.

Uma Ação Civil Pública (ACP), do Ministério Público Federal (MPF), foi instaurada no ano passado, com base nas diversas denúncias e manifestações feitas pelas lideranças e organizações indígenas da região. Além disso, o MPF argumentou que o subtenente do Exército não atendia a outros requisitos legais para o cargo.

Em 15 de abril de 2020, a Associação Terra Indígena Xingu (ATIX) encaminhou um Ofício[/u] à presidência da Funai, a Carta de repúdio dos caciques e lideranças dos povos do alto Xingu,[/u] assinada na época pelo grande cacique Aritana Yawalapiti, falecido em agosto do ano passado vítima da Covid19, repudiando a troca do Coordenador Regional do Xingu.

Na Carta, as lideranças explicaram que a decisão administrativa de substituição do Coordenador Regional foi feita sem o consentimento das comunidades, e em um momento inapropriado e de tensão com os registros dos primeiros casos de infecção e mortes de indígenas no Brasil. A troca na gestão atrapalharia as ações de prevenção contra a entrada do vírus nas comunidades, que já haviam sido coordenadas em conjunto entre parceiros institucionais e povos e organizações indígenas.

O atual Presidente da ATIX, Ianukula Kaiabi Suia, explica que: “desde 1986, os coordenadores da Funai são indígenas e suas escolhas foram feitas através de diálogo e comum acordo entre os caciques xinguanos e os presidentes da Funai. Hoje, isso não está mais acontecendo. Esse novo governo quebrou um pacto de mais de 30 anos com o movimento indígena da região. Por isso, reivindicamos à Funai a consulta, e tivemos que acionar a Justiça para fazer valer o nosso direito”.

Para a liderança Kaiabi, a decisão da Justiça é muito importante neste momento para mobilizar o povo do Xingu a escolher um novo coordenador da Funai, como também um bom precedente para outras situações de violações de direitos cometidas pelo Estado Brasileiro ao não consultar os povos indígenas em medidas que os afetam.