Veja como foi a participação das lideranças indígenas brasileiras na agenda climática de Bonn, na Alemanha

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Publicada em: 27/06/2024 às 10:57

A delegação indígena do Brasil embarcou para a cidade de Bonn, na Alemanha, para acompanhar uma extensa agenda de eventos e discussões relacionadas às questões climáticas, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). Dentro da programação, os destaques foram a 11ª Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (FWG/LCIPP), a reunião preparatória e sessões do Caucus Indígena, além da Conferência de Bonn sobre Mudanças Climáticas, com a 60ª Sessão dos Órgãos Subsidiários da UNFCCC. Em cada uma das agendas, os representantes indígenas brasileiros realizaram incidências para avançar a participação dos povos indígenas nas discussões e tomadas de decisão sobre as mudanças climáticas.

Os trabalhos iniciaram com a 11ª Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (FWG/LCIPP), entre os dias 29 de maio e 1º de junho. A LCIPP tem o objetivo de reforçar o envolvimento dos povos indígenas e comunidades locais nos processos da UNFCCC e na implementação do Acordo de Paris, reconhecendo e fortalecendo os saberes tradicionais, tecnologias, práticas próprias e esforços desses grupos na construção de respostas às mudanças climáticas. É uma instância única e pioneira na UNFCCC, uma vez que é um único corpo constituído oficial com composição paritária entre representantes indígenas e dos países membros.

Ao lado de organizações aliadas e apoiadoras como a Rede de Cooperação Amazônica (RCA), representantes do Itamaraty e do Ministério dos Povos Indígenas, a delegação indígena produziu documentos com recomendações sobre os temas técnicos abordados e debatidos por meio dos trabalhos em grupo, realizados em cinco blocos temáticos. Os resultados foram apresentados em plenária ao Grupo de Trabalho Facilitador pelas lideranças Sineia do Vale, Dinaman Tuxá, Maurício Yekuana e Luene Karipuna.

Foram elaboradas colaborações e recomendações sobre fóruns e instâncias de efetiva participação de povos indígenas e comunidades locais relacionados ao tema de mudanças climáticas a nível nacional e regional.

O grupo também compartilhou exemplos de mecanismos próprios de gestão territorial e ambiental, adaptação e garantia de Direitos, como os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs), os Protocolos Próprios de Consulta e Consentimento, além dos Planos Indígenas de Adaptação às Mudanças do Clima. Foram realizadas sugestões sobre a garantia de participação indígena na elaboração das novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e dos Planos de Adaptação e Mitigação, bem como sobre a necessidade de participação adequada em todas as etapas de elaboração das políticas climáticas nacionais. Abordagens necessárias para a Transição Justa e o acesso direto ao Fundo de Perdas e Danos, indicações para o aprimoramento da Comunicação e estrutura do website da Plataforma, culturalmente mais adequada e acessível, também foram temas das recomendações apresentadas, entre outros pontos da agenda.

Idioma

Um importante resultado conquistado pela delegação brasileira, apoiada por outros grupos, foi a solicitação feita à UNFCCC para garantir que o idioma não seja uma barreira de participação nas pautas oficiais que envolvem os povos indígenas nos processos da Convenção. Para isso, a delegação apresentou uma solução elaborada em conjunto na 11ª Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador, que defende a incorporação de um tradutor na cabine e canal oficial de tradução da ONU para o português.

O Grupo de Trabalho de falantes do idioma português foi instaurado pela delegação do Brasil e incorporado oficialmente durante as 8ª e 9ª Reuniões do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma, realizadas em novembro de 2022 e junho de 2023, após anos de incidência em todas as reuniões anteriores da Plataforma. A garantia de um Grupo de Trabalho em idioma português foi um avanço importante em relação às barreiras impostas para participação efetiva, uma vez que o português não é um idioma oficial da ONU.

O Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma acatou esta recomendação da delegação do Brasil, reportada em seu relatório para a Sessão do Órgão de Assessoramento Técnico e Científico (SBSTA), durante a Conferência de Bonn. Ao final das negociações, o SBSTA apresentou em sua 11ª Recomendação do Documento Técnico final sobre a Plataforma, que será apresentado para consideração e adoção na COP29, em Baku, o convite para que “as Partes que desejarem fornecer interpretação simultânea para idiomas diferentes dos idiomas oficiais das Nações Unidas nas reuniões do Grupo de Trabalho Facilitador e em eventos mandatados no âmbito da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas e solicita ao secretariado, sempre que possível, tomar todas as providências necessárias para acomodar essa interpretação simultânea adicional”.

Caucus Indígena

A reunião preparatória do Caucus Indígena aconteceu no dia 2 de junho, reunindo representantes de povos indígenas de todo o planeta. Sineia do Vale, do povo Wapichana, gestora ambiental do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e coordenadora do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC) compôs a mesa de coordenação. Ela iniciou em Bonn a transição para se tornar co-presidente do Caucus Indígena, adquirindo compreensão e participando da dinâmica das reuniões antes de assumir o cargo na Conferência das Partes (COP) 29 no Azerbaijão, para iniciar os trâmites para organizar a COP 30 no Brasil.

O Caucus Indígena é o Fórum Internacional dos Povos Indígenas sobre Mudanças Climáticas, que se reúne presencialmente duas vezes por ano, no contexto das Conferências de Clima. É um espaço dedicado exclusivamente às populações indígenas para alinhar conceitos e posicionamentos relacionados às pautas de negociação na UNFCCC. O Caucus é composto por indígenas das sete regiões do mundo: Ártico, África, Ásia, Oceania, América Latina e Caribe, América do Norte e Rússia. O Caucus Indígena se reúne antes e durante as agendas climáticas da Convenção do Clima. Além da reunião preparatória, o Caucus realizou as tradicionais reuniões diárias de alinhamento, durante todos os dias da Conferência de Bonn.

SB 60

A Conferência de Bonn sobre Mudanças Climáticas 2024 ocorreu no período de 3 a 13 de junho, na sede da UNFCCC, em Bonn, Alemanha. A 60ª Sessão dos Órgãos Subsidiários – SB 60, formada pelas reuniões do Órgão Subsidiário de Aconselhamento Científico e Tecnológico (SBSTA) e do Órgão Subsidiário de Implementação (SBI) das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, é um importante espaço, pois apoia as COPs por meio do fornecimento de informações e aconselhamento sobre questões científicas e tecnológicas relacionadas aos processos em andamento da COP, em especial a implementação do Acordo de Paris.

Realizada anualmente no mês de junho, a Conferência de Bonn funciona como uma reunião preparatória para as COPs. Trata-se de um espaço importante, que busca implementar as decisões da COP anterior e preparar tecnicamente a COP que virá em seguida, onde os povos indígenas podem fazer incidências para influenciar nos documentos que serão levados para as COPs.

Após participarem da 11ª Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas, no qual a delegação brasileira elaborou e apresentou diversas recomendações sobre temas técnicos, as lideranças indígenas do Brasil foram convidadas para uma atividade da Plataforma, que integrou a agenda oficial da Conferência SB 60.

O ‘Workshop para Partes e Órgãos Constituídos: Transformando a ação climática através do envolvimento dos Povos Indígenas e das Comunidades Locais’ reuniu detentores de conhecimento e representantes dos povos indígenas para ministrar capacitações em métodos de engajamento de melhores práticas. O objetivo é promover entre as partes interessadas uma compreensão da Plataforma LCIPP e das suas funções, fortalecendo a ação climática ao integrar diversos valores e sistemas de conhecimento na concepção e implementação de políticas e ações climáticas.

A atividade também visa atualizar e fazer um balanço das políticas, ações, protocolos, diretrizes e comunicações existentes com a inclusão dos conhecimentos e práticas dos povos indígenas e comunidades locais. Com o foco na capacitação realizada pelos povos indígenas para as Partes e Órgãos da Convenção, o tema central foi a apresentação de políticas nacionais com efetiva participação dos povos indígenas. Sineia do Vale apresentou o histórico de criação da PNGATI e os mecanismos próprios de gestão territorial e ambiental dos povos indígenas no Brasil.

Texto: Luene Karipuna, Valdeniza Vasques e Patricia Zuppi