Vacinação contra a COVID-19: “Vamos abraçar a oportunidade de manter nossas famílias vivas”, diz a liderança Eliane Xunakalo

Diversas lideranças participaram da Live Nacional das Mulheres Indígenas, promovida pela APIB

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Publicada em: 03/03/2021 às 02:00

A pesquisadora Ana Lúcia Pontes, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirmou na última segunda-feira (1) que “março será um mês terrível” e que “estamos caminhando para o pior momento da pandemia de COVID-19 no Brasil”. Na ocasião, ela analisava os mais recentes números do coronavírus em nosso país e o que podemos esperar para as próximas semanas.

O alerta foi feito durante a última edição da Live Nacional das Mulheres Indígenas, que aconteceu nesta segunda no facebook da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Nesta live, diversas lideranças se reuniram para demandar maior rapidez na vacinação dos indígenas brasileiros. Embora neste início de março a cobertura vacinal dos indígenas esteja em 21% – maior que a média brasileira, que está em 3% – as desigualdades regionais mostram que apenas no Nordeste a vacinação segue num bom ritmo. No Norte e no Centro-Oeste, a vacinação segue a passos muito lentos e preocupantes.

Confusão

No Alto Rio Negro, por exemplo – região no norte do Amazonas que possui grande população indígena – a cobertura vacinal está em 8% da primeira dose e 0% de segunda dose. Em São Gabriel da Cachoeira, cidade emblemática daquela região, foram registradas 35 mortes causadas pelo coronavírus apenas nos dois primeiros meses de 2021. Durante todo o ano de 2020, este número foi de 59 óbitos.

Além disso, ainda existe muita confusão sobre os números da vacinação indígena. Somente o Ministério da Saúde trabalha com três maneiras distintas de contabilizar este quantitativo. Por isso, a APIB aproveitou a live para lançar a página especial Vacina Parente![/url], que acompanha em tempo real os números da vacinação de indígenas e traz mensagens ressaltando a importância da vacinação para os povos originários do Brasil.

Momento dramático

De acordo com a pesquisadora Ana Lúcia Pontes, o Brasil registra, neste início de março, mais de 46 mil casos novos de coronavírus ao dia. “É um número muito alto, consistente com o pico que vivemos em 2020. De maneira geral, todos os números da pandemia estão muito altos e as poucas variações existentes estão rodando num patamar lá em cima. É um momento dramático, não podemos achar que isso é normal”, alertou a pesquisadora.

No final de fevereiro, o Brasil registrava média diária de mortes por COVID-19 acima de mil. Isso significa que, desde meados de janeiro, uma pessoa morre de coronavírus no Brasil a cada 86 segundos.

Ana Lúcia disse ainda que por pouco o Brasil não terminou fevereiro com uma média móvel de 1,5 mil mortes por dia; e que isso só não aconteceu porque fevereiro terminou no dia 28. “Se fevereiro tivesse mais um ou dois dias, teria sido o mês com o maior número de mortos registrados durante a pandemia”, afirmou.

Sistemas em colapso

Durante sua fala, Ana Lúcia lembrou da situação das UTIs brasileiras: “Temos hoje 17 capitais com mais de 80% de seus leitos de UTI ocupados e 6 capitais com mais de 90% de ocupação. Ou seja, é muito provável que o que vimos ocorrer em Manaus vai acontecer também em outras capitais, com sistemas de saúde entrando em colapso por todo o País”.

Ana Lúcia lembrou também que a variante descoberta em Manaus, chamada P1, concentra dez vezes mais vírus do que a variante anterior, fazendo com que a doença provocada por ela seja mais transmissível e mais letal: “Estamos vendo que o vírus está se adaptando. Ou seja, sem as medidas restritivas é questão de tempo até que cheguemos num momento de agravamento da pandemia”.

Outro ponto de atenção trazido pela pesquisadora é o fato de que a imunidade causada pela Coronavac, que vem sendo usada para vacinar boa parte da população brasileira, só começa a se manifestar cerca de duas semanas após a aplicação da 2ª dose. “Há muita gente que está tomando a primeira dose e relaxando. Não é o momento de relaxar as medidas protetivas. Mesmo vacinados, precisamos todos manter as medidas de higienização, fazer isolamento e usar máscaras”, disse a pesquisadora.

Direito

Ana Lúcia alertou as lideranças presentes na live para que fiquem atentas a uma situação que vem ocorrendo no Amapá e que não pode acontecer em outros locais do País. “Naquele território, como alguns indígenas não quiseram se vacinar, as prefeituras começaram a requisitar as vacinas que sobraram para vacinar seus cidadãos. Não podemos deixar isso acontecer. A inclusão dos povos indígenas como público prioritário foi fruto de muita luta e mobilização e não podemos abrir mão desse direito”, disse.

Segundo o Observatório de Direitos Humanos e Crise Covid-19, até 1º de março apenas 3% da população brasileira havia recebido a vacina. São cerca de 6 milhões e 576 mil pessoas. Consideramos apenas a aplicação da segunda dose, esse número cai para 1%, com apenas 1.900 pessoas vacinadas.

Força coletiva

Diversas lideranças participaram da live. Todas elas reforçaram a importância da vacinação entre os povos indígenas – assim como do efeito devastador que as notícias falsas sobre a vacinação e a pandemia têm causado em suas comunidades.

“A única força coletiva que garante a vida é a nossa força, de todos nós unidos e vivos. Por isso, parentes, precisamos todos nos vacinar”, disse a coordenadora-executiva da Apib, Sonia Guajajara. “Existem muitas mentiras chegando nas aldeias, muitas informações equivocadas, mas não podemos dar ouvidos a elas. Precisamos de informações, esclarecimentos e orientações. Só assim vamos poder combater essa rejeição à vacina”, disse Sonia.

Liderança dos Tembé do Alto Rio Guamá, no Pará, Puyr Tembé fez coro à mensagem: “Vacinar é importante, nos salva. Se não fosse a vacina, os povos indígenas já estariam exterminados. Lembrem que, a princípio, esse governo não queria nos vacinar. Não podemos continuar com essa situação de negação de direitos. Nós, os povos indígenas, estamos implorando pela vida e pelo direito de continuarmos vivos”.

Assessora da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (Fepoimt), Eliane Xunakalo lembrou que nesta segunda-feira seu estado, o Mato Grosso, entrou em lockdown para tentar barrar o aumento de casos de COVID-19: “Irmãos, não esqueçam que várias doenças já devastaram os povos indígenas em nosso país. A gripe, o sarampo. Hoje temos a oportunidade de interromper um processo desses. Vamos abraçar essa oportunidade de ter nossos avós e nossos tios conosco, de manter nossas famílias vivas. A vacina é vida neste momento”.

A pesquisadora Ana Lúcia disse que, apesar das dificuldades, existe uma saída e que ela está ao nosso alcance: “Março será um mês difícil, mas são as nossas redes e parcerias que vão nos permitir continuar nessa luta. Acelerar a campanha de vacinação é fundamental neste momento, assim como garantir a aplicação das duas doses da vacina em todo mundo”.