Terra Indígena Não é Lote: Parem o Leilão da Morte!

Enquanto a COP30 debate o futuro do planeta, o Brasil leiloa a devastação

Por: Robson Delgado Baré

Publicada em: 17/06/2025 às 17:59

Nesta terça-feira (17), a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou mais uma rodada da Oferta Permanente de Concessão (OPC), leiloando 172 blocos de petróleo para exploração no território nacional. Dentre eles, 68 estão localizados na Amazônia Brasileira, incluindo áreas altamente biodiversas e sensíveis nas bacias da Foz do Amazonas e dos Parecis, despertando fortes reações de organizações indígenas, ambientais e do próprio Ministério Público Federal (MPF). O governo concedeu 19 novas áreas para exploração de petróleo na Foz do Amazonas em leilão.

Segundo a nota técnica da Gerência de Monitoramento Territorial Indígena (GEMTI) da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o processo segue adiante sem a devida Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) e muito menos houve processo de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais afetadas, em desacordo com a Constituição, a Convenção 169 da OIT, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e as diretrizes do MPF.

68 blocos na Amazônia: Terras Indígenas em risco

Apenas na Bacia da Foz do Amazonas, entre os estados do Amapá e Pará, foram ofertados 47 blocos, na qual foram concedidas 19 áreas para exploração de petróleo no atual leilão. Outros 21 se concentram na Bacia dos Parecis, atingindo diretamente regiões de alta relevância ambiental e cultural no Mato Grosso e Rondônia.

No total, 19 Terras Indígenas (TIs) estão sob ameaça direta ou sistêmica, com destaque para Ponte de Pedra e Estação Parecis, completamente cercadas por blocos ofertados, em situação considerada de vulnerabilidade crítica. Além disso, as comunidades costeiras no Amapá (Galibi, Uaçá e Jumina), que, embora distantes dos blocos offshore, estão inseridas em uma dinâmica marinha suscetível a contaminações e riscos ambientais.

Também preocupam áreas com presença de povos indígenas isolados, como as TI’s Tanaru, Parque do Aripuanã, Rio Corumbiara, Rio Iquê, sendo essas três últimas sem qualquer medida efetiva de confirmação e proteção por parte do estado brasileiro. Tambem estão no escopo desses impactos e ameaças os povos isolados das TI’s do Parque do Xingu (Alto Xingu-Kurisevo), Tapayuna e todo território tradicional dos Kajkwakhrattxi (nas bacias dos rios Arinos e Sangue no Mato Grosso. Segundo as lideranças e relatos históricos nesta região do Mato Grosso são os parentes que permanecerem no território após constantes massacres entre os anos 1950 e 1970; TI Apiaká-Kayabi também há informações sobre a presença de povos isolados e que permanecem sem qualquer confirmação por parte do Estado brasileiro.

Foto: Tapayuna – Acervo Associação Indígena Tapayuna (AIT).

O leilão atinge territórios com presença de isolados, e as lideranças indígenas do povo Tapayuna protestam na zona oeste do Rio de Janeiro, contra o leilão de áreas de exploração de petróleo, e ressaltam sua preocupação com esses territórios com presença de povos isolados “Foi feito uma remoção do nosso povo para Xingu, mas algumas nossos parentes ficaram no mato, como isolados. Então tem os parentes que ficaram para trás. Isso preocupa muita gente, e é por isso que a gente não quer que aconteça esse leilão. Precisamos cuidar dessa parte dos parentes isolados dentro dos territórios.” afirma liderança do povo Tapayuna, da Associação Indígena Tapayuna (AIT).

Muitos blocos de exploração ou prestes a serem explorados atingem diretamente ou impactam de maneira sistêmica nossos parentes isolados, em resistência em seus territórios. No Maranhão são sete registros de presença de povos isolados sendo que somente dois têm alguma medida de proteção aos territórios e à existência desses povos. Todos os outros povos e menção à existência seguem em risco de etnocídio, de desaparecimento sem sequer terem alguma providência de precaução pela sua proteção. São camadas de ameaças, múltiplos fatores que marcam a possibilidade de o Estado brasileiro potencializar o extermínio de povos nos tempos atuais. No Estado do Amazonas também há muitos registros sem qualquer providência de proteção em ameaça nos blocos ao sul do Solimões, os registros de povos isolados próximos às TI’s Deni, Paumari do rio Cuniuá, bacia do alto rio Coari, no rio Amazonas, nos baixos e médio curso dos rios Uatumã e Jatapu e entre as TI’s Coatá Laranjal e Andirá Marau, em áreas também em estudo e que carecem de medidas protetivas e de garantia à vida desses povos.

Riscos interconectados à biodiversidade e ao modo de vida tradicional

A instalação de empreendimentos petrolíferos nas áreas ofertadas pode resultar em impactos graves à biodiversidade e aos modos de vida locais. Entre os riscos listados estão a contaminação de solos e águas, fragmentação de habitats, degradação de vegetação nativa e ruptura das práticas sustentáveis das comunidades indígenas e tradicionais.

“Quando blocos cercam completamente territórios como Ponte de Pedra, qualquer atividade ao redor ameaça diretamente a continuidade da vida coletiva, das práticas culturais e da preservação ambiental dessas áreas”, alerta a Coiab em sua nota técnica.

Mapa produzido pela Gerência de Monitoramento Territorial Indígena da Coiab

O leilão de blocos de petróleo na Foz do Amazonas não impacta apenas a Amazônia, mas representa uma ameaça global à estabilidade climática do planeta. A região abriga ecossistemas marinhos e costeiros interligados que desempenham papel crucial na regulação do clima, na absorção de carbono e na manutenção da biodiversidade oceânica. A exploração de petróleo em alto-mar eleva o risco de vazamentos, contaminação das águas e colapso de cadeias ecológicas, comprometendo a saúde dos oceanos, que são essenciais para equilibrar a temperatura da Terra. Além disso, ao investir na expansão de combustíveis fósseis em plena emergência climática, o Brasil contradiz compromissos internacionais e contribui para o agravamento da crise ambiental que afeta todas as nações, independentemente de fronteiras.

MPF: ausência de estudos viola compromissos climáticos e legais e discursos contraditórios do Chefe de Estado

O MPF também se posicionou de forma crítica ao leilão. Entre as recomendações ignoradas pela ANP estão a realização de estudos de impacto climático, avaliação ambiental das áreas sedimentares e estudos específicos sobre impactos em comunidades tradicionais. O MPF ressalta que qualquer avanço sobre áreas de uso tradicional requer, por lei, consulta prévia e informada.

O discurso de Lula na COP dos Oceanos foi marcado por frases fortes como “não há mais tempo a perder” e “não existem dois planetas Terra”, com ênfase na urgência da crise climática e no papel dos oceanos como reguladores do clima. Ele reafirmou o compromisso do Brasil com a transição energética e a preservação ambiental, apresentando o país como exemplo na redução do desmatamento e no combate às emissões. No entanto, as ações no território nacional contam uma história distinta, leiloando terras que são importantes não só para os povos indígenas, mas também para o planeta.

Durante o evento internacional, Lula posicionou o Brasil como um dos líderes da ação climática, buscando consolidar apoio político em antecipação à COP30, que acontecerá em Belém, no coração da Amazônia. No entanto, a continuidade de um modelo extrativista baseado em petróleo e gás, sem os devidos cuidados socioambientais, levanta questionamentos sobre a coerência do discurso do governo.

A estratégia de uma NDC indígena como combate a atividades extrativistas

Uma NDC indígena (Contribuição Nacionalmente Determinada indígena) pode ser uma ferramenta estratégica poderosa no combate às atividades extrativistas por diversos motivos, ao articular os conhecimentos tradicionais, a proteção territorial e os compromissos climáticos internacionais de forma coerente e legítima. Ela elenca como prioridades para a COP30 o reconhecimento e proteção de todos os territórios indígenas como política e ação climática, em especial os territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato; financiamento direto e autonomia financeira; representação e participação efetiva nos espaços de decisão climática; proteção dos defensores e defensoras indígenas; inclusão de sistemas de conhecimento indígena como estratégias de mitigação, adaptação e restauração ambiental; e estabelecimento dos territórios indígenas da Amazônia como áreas livres de atividades extrativas.

Os nove países que compõem a região amazônica, entre eles Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela, compartilham não apenas uma vasta extensão de floresta tropical, mas também a responsabilidade conjunta pela preservação desse bioma essencial à vida no planeta. Suas organizações indígenas, que representam mais de 500 povos originários, vêm construindo uma agenda climática própria, articulada em torno de princípios como a autodeterminação, o cuidado com os territórios e o respeito aos direitos ancestrais. Na NDC Indígena Pan-Amazônica, reafirmamos nossa prioridade número 6: a criação de zonas livres de exploração em territórios indígenas, uma medida estratégica para garantir a integridade física, cultural e ecológica desses espaços sagrados. Esta prioridade não é apenas um direito, mas uma condição fundamental para que os compromissos climáticos globais sejam alcançados com justiça e eficácia.

A Coiab vem se articulando desde 2024 em ações internacionais e nacionais para que essa NDC se torne possível, ligando ela a pautas que o movimento indígena tem como prioridade e enfatiza o compromisso que os países e organizações indígenas da Bacia Amazônica têm em relação às mudanças climáticas e proteção de seus territórios.

Para Toya Manchineri, Coordenador-Geral da Coiab, “A NDC Indígena é mais do que uma proposta climática é uma declaração de sobrevivência dos nossos povos e territórios. Ela nasce da sabedoria coletiva dos povos indígenas da Bacia Amazônica e articula nossos conhecimentos, direitos e visão de futuro com os compromissos internacionais de enfrentamento da crise climática. Estabelecer zonas livres de exploração em territórios indígenas, como afirmamos no item 6 da nossa NDC, é uma medida urgente e estratégica. Não há transição ecológica real sem a garantia dos nossos territórios intactos. Se o próprio Brasil reconhece na sua NDC oficial que a Amazônia é vital para a neutralidade de carbono, como justificar a liberação de blocos de petróleo em nossas terras? A contradição é insustentável. Nossa luta é pela coerência, pela vida e pela justiça climática para todos.”

Em um exemplo prático: se o Brasil tiver uma NDC que mencione a integridade da Amazônia como essencial para a meta de neutralidade de carbono, e os povos indígenas apresentarem dados mostrando que blocos de petróleo ameaçam suas terras, o próprio governo terá que justificar como manterá as metas se autoriza tais destruições.

Pressão internacional às vésperas da COP30

A realização do leilão ocorre num momento estratégico e sensível para o Brasil: a menos de cinco meses da COP30, que será sediada em Belém (PA), no coração da Amazônia. A contradição entre os discursos internacionais do país sobre uma transição energética justa e o avanço de projetos extrativistas sobre áreas indígenas e ambientais tem gerado críticas dentro e fora do país.

Para Coiab, o leilão compromete a credibilidade do Brasil frente aos compromissos climáticos e evidencia a falta de coerência entre as políticas ambientais e as decisões econômicas.

“A Amazônia não pode ser tratada como zona de sacrifício. Os territórios indígenas não são obstáculos ao progresso, mas sim parte da solução climática que o mundo tanto procura”, conclui a nota técnica da Coiab.

Acesse a nota técnica completa clicando aqui

Abaixo os mapas produzidos pela Gerência de Monitoramento Territorial Indígena da Coiab que mostram os territórios mais afetados:

Mapa produzido pela Gerência de Monitoramento Territorial Indígena da Coiab

 

Mapa produzido pela Gerência de Monitoramento Territorial Indígena da Coiab

 

Mapa produzido pela Gerência de Monitoramento Territorial Indígena da Coiab