O seminário sobre a “Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI): avanços, desafios e estratégias de implementação na Amazônia indígena”, organizado pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), com o apoio do Fundo Amazônia (FAM/BNDES), aconteceu no dia 27 de novembro, na cidade de Manaus (AM). O evento contou com a participação de representantes de 26 organizações indígenas da Amazônia brasileira e parceiros.
O encontro fez parte da agenda da Oficina de Elaboração e Gestão de Projetos, voltada para as organizações aprovadas no primeiro edital do Dabucury, com foco em iniciativas de gestão territorial e ambiental na Amazônia. O seminário proporcionou um momento valioso de reflexão e aprendizado sobre a PNGATI, seus avanços, desafios e estratégias de implementação.
Durante a manhã, foi formada uma mesa de debates composta por Toya Manchineri, coordenador-geral da COIAB; Auricélia Arapiun, do Conselho Deliberativo da COIAB e coordenadora do Comitê Gestor da PNGATI; e Vinícius Benites Alves, assessor de projetos e formação da CESE. Nessa ocasião, foi apresentado um breve histórico da PNGATI, desde sua construção até o atual contexto do Projeto de Lei 4347/2021.
A implementação da PNGATI ainda enfrenta desafios relacionados à disponibilidade de recursos, conforme destacou Toya Manchineri: “Hoje, neste seminário, os dois grupos (Urucum e Jenipapo) se unem. Para nós, da COIAB, é muito importante ver vocês aqui, pois são projetos direcionados diretamente às nossas comunidades. É o momento de nossas associações caminharem com seus próprios pés. Esta iniciativa da CESE e COIAB é uma forma de levar recursos diretamente para as Terras Indígenas e atingir os nove estados da Amazônia. É necessário, por meio das parcerias, fortalecer as nossas organizações, monitorar a implementação da PNGATI e garantir os recursos necessários. Essa política é essencial para nós, povos indígenas, e depende de esforços conjuntos e colaborações.”
Dimas Galvão, coordenador do setor de projetos e formação da CESE, reforçou o desafio e a importância do envolvimento das organizações indígenas: “É desafiador para as organizações indígenas executarem recursos públicos. Estamos nos esforçando para gerir tudo com transparência. No entanto, é também uma oportunidade: as organizações precisam se apropriar mais da PNGATI. Desejo boa jornada para nós.”
Os participantes destacaram ainda a importância de realizar ações de incidência política para implementar a PNGATI. “Como fazer com que a PNGATI chegue aos territórios, aldeias e comunidades? Como comunicar o que é a PNGATI, o Plano de Gestão, o etnomapeamento? O PGTA trata de como vocês cuidam do território de vocês. Porém, para traduzir isso na linguagem do branco, do não indígena, foi necessário colocar tudo no papel, de maneira compreensível para aqueles que estão no Congresso”, explicou Vinícius Benites Alves, assessor de projetos e formação da CESE.
Os desafios enfrentados para a implementação da política não foram desconsiderados, assim como a relevância dela para a proteção e bem viver dos territórios, como bem reforçou Auricélia Arapiun: “A PNGATI é a política que vai adiar o fim do mundo. A gente precisa incidir em todo o governo para implementar a política, precisamos de financiamento e de recursos para implementar”
A PNGATI foi instalada pelo Decreto 7.747, de 5 de junho de 2012, com o objetivo de proteger, recuperar, conservar e usar de modo sustentável os recursos naturais das terras e territórios indígenas, hoje ela tramita como Projeto de Lei 4347/2021, de autoria de Joênia Wapichana, no Congresso Nacional, e encontra-se na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). A presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Joênia Wapichana, compareceu ao evento, saudando as organizações indígenas presentes e a importância de iniciativas voltadas para a gestão dos territórios. “Comunidade que não tem PGTA e quer PGTA busquem a implementação. Vamos sentar junto à COIAB e CESE. O papel da FUNAI é fazer a demarcação das terras, buscar fazer a gestão territorial e ambiental. Então, é nessa linha que temos que estar em parceria com os povos indígenas”, declarou Joênia Wapichana.
“PNGATI é muita luta, para nós não tínhamos uma lei para orientar a gestão dos nossos territórios, com a PNGATI, nós temos essa lei para a gente melhor organizar o nosso território e captar recurso, temos o fortalecimento das associações, da cultura, da bioeconomia, uma tentativa de gestão dos nossos territórios. No Amapá, tivemos os Planos de Vida, no Acre, tivemos o zoneamento ecológico e econômico, temos também o etnomapeamento. Então, são vários nomes para a gente conseguir chegar na Política Nacional de Gestão Territorial em terras Indígenas”, relembrou sobre a trajetória de construção da política, Toya Manchineri.
A realização de uma Conferência Nacional sobre a PNGATI, em 2025, foi sinalizada pelos/as presentes.
Experiências Indígenas
As experiências indígenas na elaboração de Instrumentos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (IGATIs), frente às pressões territoriais, e na implementação de Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PGTAs) também foram debatidas.
O Plano de Gestão Socioambiental, desenvolvido por pesquisadores/as e agentes ambientais Wajãpi e publicado em 2017, identifica os principais problemas socioambientais enfrentados pelas famílias, como pragas nas roças, escassez de caça e a relação com os karaikô (como eles chamam os brancos). A experiência de implementação desse plano pelo povo Wajãpi, próximo ao município de Água Branca, no estado do Amapá, foi apresentada pelos representantes da Associação Wajãpi Terra, Ambiente e Cultura (AWATAC), Kawiri Wajãpi e Makreitõ Wajãpi. Eles também destacaram como o povo organiza um fundo para vigilância, buscando maior autonomia.
“Os brancos estão invadindo a nossa terra, o que preocupa o nosso povo com a presença de invasores e caçadores. Temos pedido apoio a parceiros. Por isso, a demarcação da nossa terra aconteceu. Outra preocupação foi o nosso Plano de Gestão, que é muito importante porque serve para que os órgãos do governo reconheçam como os povos Wajãpi vivem e se organizam dentro da nossa terra. Esse plano serve para o presente e o futuro. Estamos pensando em como podemos usar a nossa terra de forma sustentável”, comentou Kawiri Wajãpi, da AWATAC.
A Organização de Lideranças Indígenas Mura do Careiro da Várzea (OLIMCV) foi uma das selecionadas na categoria Jenipapo, do edital Dabucury, e pretende, com o projeto, elaborar seu Plano de Gestão, com foco no manejo da pesca em uma área constantemente ameaçada por invasões, exploração madeireira e pesca predatória.
“É uma experiência para nós, nessa expectativa de elaborarmos o nosso Plano de Gestão Territorial e Ambiental, do povo Mura. Sempre fizemos a gestão do nosso território, mas agora queremos registrar, documentar e criar as regras e acordos de uso. Os acordos que vamos estabelecer são nossos, de quem vive aqui, para garantir a nossa existência”, afirmou Jandeisoln Maciel Cabral, da OLIMCV.
Mulheres na Gestão dos Territórios
O papel das mulheres na sustentabilidade dos territórios indígenas também foi debatido, destacando a importância de fortalecer iniciativas lideradas por elas. Foram apresentadas as experiências da Associação das Mulheres Indígenas do Rio Negro (AMIARN) e das Guerreiras da Floresta da Terra Indígena Caru (MA).
As Guerreiras da Floresta da Terra Indígena Caru formam um grupo de cerca de 41 mulheres que atuam na proteção territorial e na conscientização das comunidades no entorno de suas terras. Graças às ações das Guerreiras da Floresta, o número de invasões, conflitos e ameaças no território diminuiu. “Falamos para os não indígenas sobre a importância da preservação da natureza, dos rios, animais e da mata”, destacou Paula Guajajara, integrante do grupo, selecionado no edital Dabucury na categoria Jenipapo, voltada à elaboração, atualização ou conclusão de instrumentos de gestão ambiental e proteção territorial.
“Foi muito importante a participação das mulheres na construção do nosso PGTA. Naquela época, pensamos juntas no que queríamos e fomos nos fortalecendo como mulheres. Somos 23 etnias, culturalmente diversas. Estamos nessa luta, nesse movimento. As mulheres colaboram no controle da nossa sociobiodiversidade e trabalham com agricultura familiar e artesanato”, reforçou uma integrante.
“Temos bote, voadeira e equipamentos para realizar o nosso trabalho. Quando escrevemos o nosso projeto no Dabucury, na categoria Urucum, pensamos muito nos jovens e na educação, principalmente na nossa língua. Queremos lançar um livro publicado na nossa língua porque temos perdido um pouco da nossa cultura”, comentou Belmira da Silva Melgueiro, da AMIARN.