O que se esconde por trás do tradicional Festival Folclórico de Parintins não beneficia os Povos Indígenas

Patrocinador do Festival de Parintins é alvo de inquérito do Ministério Público Federal do Amazonas

Publicada em: 04/07/2024 às 17:10

No último final de semana aconteceu o Festival Folclórico de Parintins, reunindo 40 mil pessoas por noite no bumbódromo, para apresentações dos bois Caprichoso e Garantido. Evento esse que mescla culturas negras, quilombolas e indígenas, esse ano mais de 140 mil assistiam pela internet o festival por noite de apresentação, onde consagrou o boi Caprichoso como campeão.

Durante as apresentações dos bois Caprichoso e Garantido, lideranças indígenas tiveram destaque nas apresentações, como Alessandra Munduruku, Samela Sateré Mawé, Vanda Witoto, Djuena Tikuna, Davi Kopenawa Yanomami, Beto Marubo e José Tupinambá. Além de uma homenagem a Tuíre Kayapó, todos líderes, representantes e representações de povos indígenas da Amazônia brasileira.

Na primeira noite, durante a apresentação do boi Caprichoso, lideranças mulheres (Alessandra Munduruku, Samela Sateré Mawé, Vanda Witoto, Djuena Tikuna), destacaram a importância de da demarcação, levando uma faixa com os dizeres “Sem demarcação não existe justiça climática” e na última noite, na apresentação no mesmo boi, José Tupinambá junto a filha de Chico Mendes, Angela Mendes, chamaram a atenção para a pauta climática.

O que não podemos deixar de observar é o fato de um dos patrocinadores do Festival Folclórico de Parintins estar envolvido em uma grave situação, doador de um montante de 15 milhões para que as apresentações fossem realizadas. O então patrocinador, a empresa Eneva S.A, está sob alvo de inquérito do Ministério Público Federal do Amazonas (MPF/AM) por atentar contra a vida de lideranças indígenas no “Campo do Azulão”, localizado entre as cidades de Itapiranga e Silves, a 226 e 181 quilômetros de Manaus no Amazonas, empresa essa que está sob a operação de extração de combustíveis fósseis para geração de energia (termelétricas) desde 2021.

Sua participação em um dos maiores festivais folclóricos no mundo esconde suas atividades negativas que afetam os povos indígenas, de forma contraditória com interesses do festival, que é destacar pautas referentes aos indígenas. A crítica não tem relação ao festival em si, pois a mesma é uma tradição do povo e leva cultura do rico ao pobre, exaltando a cultura nortista e amazonense. Este fato não é isolado, muitas empresas que desrespeitam os direitos indígenas patrocinam eventos culturais como forma de minimizar suas atitudes que vão contra a vida de populações.

Após realizado o festival, um ataque que surgiu a nós povos indígenas, foi em uma matéria do portal “Thomaz Rural”, onde critica a faixa das mulheres indígenas, como citado no início desta matéria, onde dizia: “Sem demarcação não existe justiça climática”, fazendo um paralelo com o território que os Sauim de Coleira, espécie de primata que está ficando sem seu habitat natural, visto que a cidade de manaus cresce a cada dia, ganharam uma área de proteção integral considerada crucial para conservação deste ameaçado macaco amazônico. A ideia de Thomaz é que se um macaco “ganhou” um espaço que equivale a 21 campos de futebol, o último dos problemas dos povos indígenas era demarcação de território. A convicção do autor do conteúdo jornalístico ressalta sua falta de conhecimentos sobre a pauta dos povos indígenas, ainda mais quando se trata de demarcação, vivendo uma realidade à parte.

O tema demarcação de terras é muito mais complexo do que as pessoas imaginam, envolvendo inúmeras etapas e burocracia. As problemáticas de não se ter territórios demarcados deixa as populações indígenas sob risco e ameaças de invasores que trabalham com garimpo e desmatamento ilegal, trazendo risco de vida tanto em ameaças físicas a ameaças a saúde pela manipulação dos produtos usados. Uma das formas de se evitar as ameaças é a demarcação, além de ajudar nas questões de crise climática, uma vez que é comprovado que os territórios demarcados têm uma taxa de preservação alta, ajudando no combate às mudanças climáticas.

Thomaz Meirelles cita ainda que, demarcando terras, os indígenas nas regiões demarcadas não terão acesso à educação, saneamento básico, alimentação e internet, deixando-as isoladas. Alguns territórios indígenas, e não só indígenas como tantos outros lugares realmente podem não ter acessos a algumas coisas citadas, porém é obrigação do estado sanar as demandas básicas de um ser humano. O fato de comunidades e aldeias indígenas estarem em territórios demarcados não é desculpa para não terem direitos ao básico de um cidadão, os órgãos públicos têm como obrigação entenderem a situação dessas regiões para melhor atendê-las.

É fato que pessoas que não estão ligadas aos assunto que permeiam a luta indígena possam ser rasas em seus questionamentos, porém buscar informações ou se atentar as organizações que trabalham com a temática é essencial para que opiniões tenham uma base mais justa e compatível com a realidade, sem falácias que podem ser projetadas nos povos indígenas.

Por: Robson Delgado Baré

Foto: BNC Amazonas