Nota de Repúdio sobre a Instrução Normativa que libera a exploração dentro dos Territórios Indígenas

Exigimos das autoridades públicas competentes a revogação imediata da IN Conjunta n.1, publicada nesta quarta-feira (24) pela FUNAI e IBAMA.

Publicada em: 25/02/2021 às 13:52

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) vem, por meio desta nota, expressar seu veemente repúdio e revolta com a Instrução Normativa Conjunta nº 1[/b], publicada nesta quarta-feira (24) no Diário Oficial da União pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A instrução tem o objetivo, em teoria, de disciplinar o licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizadas no interior de Terras Indígenas feitos por empreendedores indígenas.

Na prática, porém, ele vai dar amparo legal para a invasão, nesses territórios, de estradas, fazendas, hidrelétricas, monoculturas e outros projetos que colocam em extremo risco os recursos naturais, a biodiversidade, a segurança e os modos de vida próprios dos povos indígenas. Essa instrução normativa é claramente inconstitucional e fere diversos tratados internacionais que protegem os territórios indígenas e a autodeterminação dos povos.

Ressaltamos aqui alguns pontos que merecem atenção:

• A IN viola frontalmente o artigo 231 da Constituição Federal, que prevê o usufruto exclusivo pelos povos indígenas dos recursos naturais existentes nos territórios indígenas;
• O texto normativo traz à tona a hipótese de dispensabilidade do licenciamento ambiental em terra indígena para não indígenas, facilitando a instalação de pessoas e organizações estranhas a essas áreas e colocando em risco os povos indígenas e as florestas brasileiras;
• O texto do documento viola a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas, ao estabelecer que a Funai se manifestará de forma conclusiva em relação aos impactos socioambientais;
• Institui procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental. Na prática, essa medida afrouxa as regras para a instalação desses empreendimentos e mais uma vez ameaça vidas e a integridade dos recursos naturais existentes nos territórios indígenas;
• Cria a hipótese de processo único de licenciamento ambiental para pequenos empreendimentos ou para aqueles integrantes de planos de desenvolvimento aprovados – fragilizando, mais uma vez, o arcabouço ambiental existente hoje que resguarda os recursos existentes dentro de terras indígenas.

Entendemos que um tema dessa importância não pode ser tratado de maneira apressada, sem diálogo com os atores diretamente envolvidos e afetados e com uma falta de cuidado que ameaça de maneira grave e irreversível o patrimônio natural de todos os brasileiros.

Uma amostra dessa falta de cuidado surge no próprio texto da instrução normativa, quando se verifica que os artigos 3º e 4º são praticamente idênticos, muito possivelmente por conta de um erro que exemplifica o desleixo com que a União tratou este assunto.

Consideramos que a publicação desta instrução normativa, como foi feita, representa também um desrespeito ao direito à consulta e consentimento prévio, livre e informado previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Por isso, exigimos das autoridades públicas competentes a REVOGAÇÃO IMEDIATA desta instrução normativa, por seu caráter claramente incompatível com a lei e com os preceitos da boa gestão dos territórios e dos povos indígenas.

Além disso, junto a outras organizações representativas dos povos indígenas, daremos início às medidas legais cabíveis para fazer com que essa instrução normativa seja revogada o quanto antes – e que se garanta o nosso usufruto exclusivo previsto na Constituição Federal de 1988.

Chamamos, ainda, todas as organizações e cidadãos brasileiros, atentos e preocupados com nossa situação – mais uma vez, resistiremos aos ataques desferidos por esse governo de caráter retrógrado e autoritário. Permanecemos na luta e não vamos nos acovardar.


Manaus, Amazonas, 25 de fevereiro de 2021.
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB