“Nosso território não é mais como antigamente”, dizem indígenas afetados pela crise climática

Lideranças falam dos impactos severos causados pelas alterações climáticas nos territórios indígenas

Por: Valdeniza Vasques

Publicada em: 10/04/2025 às 14:15

Cheias severas, secas prolongadas, alterações no ciclo de vida das plantas e diminuição da presença de animais para caça. Esses são alguns dos impactos sentidos pelos povos indígenas de diferentes territórios da Amazônia, como consequências das mudanças climáticas. As mudanças severas no bioma têm fortes impactos socioambientais sobre as populações indígenas, além de afetar as culturas e modos de vida desses povos.

Lideranças indígenas compartilharam seus relatos em uma mesa na tenda da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), durante o Acampamento Terra Livre 2025, que acontece até a sexta-feira (11), em Brasília. A discussão teve a participação de lideranças indígenas do Amazonas, Pará, Acre e Maranhão, que compartilharam suas experiências com a emergência climática em suas terras. Ameaças como garimpo, invasão de terras para expansão do agronegócio e abertura de estradas que atravessam os territórios indígenas também foram abordadas.

“O rio anoitece seco e amanhece cheio. Antes a gente sabia o tempo de plantar e colher, hoje as mudanças climáticas pegam a gente de surpresa. Quando fazemos a plantação, a água vem e leva, ou as plantas secam no chão. A quentura nas águas faz nossos peixes aparecem mortos. Nossas caças desaparecem porque não tem mais água para beber”, disse Lucila Nawa, da Terra Indígena Nawa (AC).

Lucila Nawa, liderança do Acre. Foto: Ronaldo Tapirapé

“Nós, povos indígenas, estamos tentando nos adaptar às mudanças climáticas. É período de chuva que não chove mais, é território que nunca tinha pegado fogo, hoje pega fogo. Sem falar das nossas árvores, de dois anos para cá, não conseguimos mais ter a disseminação das sementes nos períodos corretos. Parece que elas também estão se adaptando a essa quentura e falta de chuva. E nós estamos nos adaptando a um novo modo de viver nesse cenário de mudanças climáticas”, declarou João Reis Guajajara, da TI Caru (MA).

João Reis Guajajara, da TI Caru (MA). Foto: Ronaldo Tapirapé

Neste cenário de mudanças e adaptações, o monitoramento territorial e ambiental se torna ainda mais importante para que os indígenas fiscalizem as ameaças, como os incêndios florestais, invasões e outros crimes ambientais em suas terras. Amanda Kumaruara, liderança da Aldeia Muruaray do Baixo Tapajós (PA) faz parte de uma brigada e reforça a importância do monitoramento para ajudar a proteger os territórios.

“Devido às mudanças climáticas, nosso território não é mais como antigamente. Muita gente nega a crise, mas está respirando com o nariz sangrando e diz que está tudo bem. Ter uma brigada no território é muito necessário, para evitar e apagar o fogo. O monitoramento faz parte desse trabalho de entender o território, e ninguém conhece nosso território melhor que nós, da aldeia. Não é só uma vida, são várias vidas, biomas, culturas e ancestralidades que conseguimos conservar com a brigada”, enfatizou Amanda.

Ameaça aos isolados

Angela Kaxuyana, representante da Coiab na Bacia Amazônica. Foto: Ronaldo Tapirapé

A crise climática e o avanço de empreendimentos predatórios na Amazônia também ameaça os povos indígenas isolados, que, por conta da pressão sobre seus territórios, têm que fazer contato com a sociedade não indígena.

“Quem mais sofre são os povos indígenas, mulheres e povos isolados. Temos acompanhado cada vez mais notícias de contato de povos autônomos. Há uma pressão muito grande nos territórios indígenas obrigando esses povos a pedirem socorro. Há uma mudança na forma de vida autônoma. Cada vez mais esses territórios estão cercados por fazendas e grandes empreendimentos”, denunciou Angela.

As perdas para os povos indígenas vão além, diz a representante da Coiab. “Temos vários tipos de perda, não só no modo de vida, mas também na segurança e soberania alimentar. Tem perda nas práticas espirituais e culturais, que trazem mudanças para o ser indígena. A perda não é só material, é uma perda do sentido de ser um povo”, finalizou.

Foto de capa: Ronaldo Tapirapé