Mulheres líderes de organizações indígenas da Bacia Amazônia construíram um Balanço Ético Global sobre o Clima, onde denunciam a fragilidade dos compromissos climáticos assumidos pelos países e os impactos severos da crise climática nos territórios indígenas, que sofrem com queimadas, secas extremas e cheias severas, causando problemas de saúde, insegurança alimentar e hídrica às populações indígenas, entre outras consequências. As lideranças reivindicam o reconhecimento dos povos indígenas como sujeitos políticos e parceiros estratégicos na construção de soluções climáticas, considerando a realização da COP30 este ano na Amazônia.
O documento, assinado por doze organizações indígenas amazônicas, foi elaborado durante encontro organizado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) em Paramaribo, Suriname, que reuniu lideranças femininas indígenas para fortalecer a articulação regional e definir estratégias conjuntas de incidência com protagonismo feminino na agenda climática rumo à COP30.
“As chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), apresentadas até agora, expõem a distância entre discurso e ação: são frágeis, insuficientes e carecem de ambição real. Enquanto países poluidores falham em conter emissões e proteger a vida, nós, povos indígenas, seguimos mantendo de pé os maiores sumidouros terrestres de carbono do planeta: as florestas em nossos territórios”, afirma a carta política.
Ao denunciar que os defensores e defensoras da floresta e do clima são os mais afetados pela emergência climática, as mulheres indígenas exigem que a COP30 nomeie os verdadeiros responsáveis por essa crise: “a indústria de combustíveis fósseis, seus financiadores e seus cúmplices políticos, que há décadas bloqueiam acordos, compram silêncio e perpetuam o colapso para manter seus lucros”.
As lideranças reforçam a participação efetiva dos povos indígenas na elaboração das políticas climáticas: “Nossos territórios e nossos modos de vida são políticas climáticas eficazes, e sua proteção deve ser tratada como prioridade. Isso exige financiamento direto, respeito à nossa autonomia e o fim da mediação que nos exclui das decisões sobre nossas próprias vidas”.
Assinam a carta as seguintes organizações: Amerindian Peoples Association (APA), Confederación de Nacionalidades Indígenas de La Amazonía Ecuatoriana (CONFENIAE), Confederación De Pueblos Indígenas del Oriente Boliviano (CIDOB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Forum of Indigenous Peoples of French Guiana (FOAG), Organización Nacional de Los Pueblos Indígenas de La Amazonia Colombiana (OPIAC), Organisatie Van Inheemsen In Suriname (OIS), Organización Regional de Pueblos Indígenas de Amazonas (ORPIA), Vereniging Van Inheemse Dorpshoofden In Suriname (VIDS), Wayana Indigenous Community Organisation Of Suriname Stichting Mulokot e Podáali – Fundo Indígena da Amazônia Brasileira.
Leia o documento completo aqui.
Articulação indígena na perspectiva das mulheres
Durante o encontro de mulheres indígenas da Bacia Amazônica, as lideranças debateram estratégias de incidência na agenda climática global, além de temas como desafios nos territórios e financiamento direto. Ao final, foi construída uma declaração política das mulheres indígenas da Bacia Amazônica, com ose seguintes pontos: representação e participação efetiva das mulheres indígenas nos espaços de decisão climática; acesso direto ao financiamento climático com enfoque em autonomia econômica e cuidado; reconhecimento e proteção dos territórios indígenas como política climática com enfoque de gênero; proteção integral das defensoras indígenas; e reconhecimento e proteção dos sistemas de conhecimentos das mulheres indígenas.
“Nosso objetivo é fortalecer e somar com as articulações regionais entre lideranças e autoridades femininas indígenas para além da COP30, construindo um plano de trabalho conjunto das mulheres da Bacia Amazônica para incidir na agenda climática global. É fundamental ampliar cada vez mais a participação das mulheres indígenas nos espaços de discussão e decisão oficiais, pois são elas as primeiras afetadas pela crise climática dentro dos territórios, e também são elas as defensoras da biodiversidade”, explica Angela Kaxuyana, representante da Coiab na Bacia Amazônica.
Segundo Valéria Paye, diretora executiva do Podáali, a participação plena e efetiva das mulheres indígenas nestes espaços passa pelo acesso direto que considere os mecanismos de financiamento próprios dos povos indígenas. “Nós, mulheres indígenas, já gerimos nossos recursos de forma transparente, justa e coletiva em nossos territórios, identificando as necessidades mais urgentes das nossas comunidades. Nós temos essa expertise, mas o acesso ao financiamento esbarra em questões burocráticas que excluem nossa participação. Precisamos de mecanismos financeiros que atendam à realidade, não só das mulheres, mas também das juventudes indígenas. A justiça climática só é possível com acesso direto ao financiamento, com justiça de gênero”.
O encontro aconteceu após duas importantes agendas também destinadas à ampliação da incidência das mulheres na COP30: a primeira foi o “Encontro de Movimentos de Mulheres pela Terra e Território da Amazônia Brasileira”, promovido pela Coiab, que reuniu mulheres indígenas e de comunidades tradicionais em um mutirão de fortalecimento da luta em defesa da Amazônia e de seus povos, com protagonismo feminino. O evento gerou uma declaração política que pode ser lida aqui. A segunda agenda foi a IV Marcha das Mulheres Indígenas, com a participação de mais de 5 mil mulheres, onde a Coiab e a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab) levaram o tema “Pelo clima e pela Amazônia, a resposta somos nós”, em alusão à campanha global por justiça climática com protagonismo dos povos indígenas.
Foto: Valdeniza Vasques