Enquanto o movimento indígena brasileiro se articulava para a mobilização contra o Marco Temporal, que está na pauta para votação no Supremo Tribunal Federal (STF) no próximo dia 07 de junho, durante a noite de 24 de maio presenciamos grandes retrocessos na política indigenista do Brasil, com a aprovação da urgência na votação do Projeto de Lei 490/2007 e da Medida Provisória 1154/2023 na comissão parlamentar mista.
Na terça-feira, dia 30, o PL foi votado e aprovado pela Câmara dos Deputados, em um cenário dominado por ruralistas com o interesse em expandir a fronteira agrícola sobre as terras indígenas, que levaram à bancada discursos abertamente colonialistas, preconceituosos e anti-indígenas. Agora, o projeto de lei vai para o Senado, onde é necessário pelo menos 41 votos contrários para barrar este projeto inconstitucional.
O PL 490/07 é um ataque aos direitos indígenas, pois pretende tornar a tese do Marco Temporal lei, transferir a demarcação de terras indígenas para o Poder Legislativo, flexibilizar a política do não-contato com povos indígenas em isolamento voluntário, permitir a construção de rodovias, hidrelétricas e outros empreendimentos sem consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, entre outras atrocidades.
O Marco Temporal defende que os territórios só podem ser demarcados se a comunidade indígena que reivindica a terra estivesse vivendo naquele local no dia 05 de outubro de 1988. Essa afirmação ignora toda a violência que os povos indígenas sofreram e sofrem desde 1500, enfrentando invasão de terras e perda de território tradicional, em alguns casos, facilitado por agentes do Estado brasileiro.
Em 2022, 18 lideranças indígenas foram assassinadas segundo[highlight= rgb(255, 255, 255)] o Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT)[highlight= rgb(247, 248, 249)] devido a conflitos de terras gerados por essa instabilidade frente aos direitos indígenas. Somado a isso, há a crescente invasão de terras indígenas para práticas de crimes ambientais e contra a vida, com garimpo, desmatamento, caça e pesca ilegais.
A tese do Marco Temporal, mesmo sendo uma tese inconstitucional, é um dos maiores desafios do movimento indígena na atualidade. Ganhou força com o parecer 001/17 da Advocacia Geral da União e está na pauta no julgamento da demarcação da TI Ibirama-Laklaño, do povo Laklaño-Xokleng. A sentença dessa demarcação será de repercussão geral, ou seja, valerá para todos os processos futuros.
A tese vai contra o direito garantido aos povos indígenas na Constituição Federal de 1988, no artigo 231, que afirma que o direito indígena à terra é originário, inalienável, indisponível e imprescritível.
A advogada e assessora jurídica da Coiab, Cristiane Baré, destaca os principais males que o Marco Temporal pode causar a todos os povos. “O Marco Temporal vai abrir precedentes para questionar todos os processos de demarcação, por isso irá afetar a todos os povos. Nós somos contra o Marco Temporal, porque vai contra nossos direitos originários”, defende.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Conectas Direitos Humanos, Comissão Arns e Instituto Socioambiental (ISA) endereçaram um apelo urgente à Organização das Nações Unidas (ONU) para conseguir apoio para barrar esse Projeto de Lei genocida, pois as repercussões negativas serão sentidas por todo o mundo.
Um trecho da carta ressalta que o Estado Brasileiro aderiu voluntariamente às recomendações do último ciclo da Revisão Periódica Universal, que inclui a necessidade de demarcação dos territórios indígenas. “Além de também representar uma medida contrária ao enfrentamento à emergência climática, a tese do marco temporal significa a perpetuação de práticas discriminatórias e racistas contra os povos indígenas pelo Estado, conforme já atestado em visita da Relatora Especial sobre Direitos dos Indígenas em sua missão ao Brasil em 2016. Ademais, vale destacar que, no último ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU) em 2022, a necessidade de demarcar territórios indígenas e rejeitar a tese do marco temporal foi lembrada por 25 países, com adesão voluntária pelo Estado Brasileiro em março de 2023.”, afirmam as organizações, em carta endereçada à ONU.
Terras indígenas, clima e economia
A bancada do boi tem feito uma campanha defendendo que o Brasil perde com a demarcação de terras indígenas. Fala-se de perda na exportação de grãos, empregos e dinheiro para o país. No entanto, não falam na perda de vegetação, nascentes, fauna e biodiversidade que acontece com o avanço do desmatamento. Os dados do MapBiomas apontam que apenas em 2021, o agronegócio foi responsável por 97% do desmatamento. Entre 1990 e 2020, áreas privadas registraram o desmatamento de 45 milhões de hectares, o que é quase o tamanho da Bahia.
Na contramão disso, os povos indígenas cuidam de 80% da biodiversidade do mundo, seja ela de variedades de cultivos, animais, fungos, insetos, plantas. No mesmo período em que grandes áreas foram devastadas, os territórios indígenas demarcados registraram cerca de 2% de perda da área de vegetação nativa. O Banco Mundial, por exemplo, estima que o desmatamento faz o Brasil perder mais de US$ 317 bilhões.
A floresta em pé tem um valor inestimável para os povos indígenas, quilombolas, extrativistas, e outras comunidades tradicionais, e ainda mais para toda a humanidade, quando colocamos em perspectiva a importância das florestas para barrar as mudanças climáticas.
As mudanças do clima já causam muitos estragos, e com o avanço da destruição das florestas, chegaremos em um ponto que não haverá retorno. O impacto será sentido por todos, incluindo as pessoas que nos atacam. Sem chuva não há plantação, não há grãos para vender, não há pastagem para alimentar o gado. Com chuva demais, as casas alagam, as barreiras deslizam, e também afetam essas mesmas pessoas que elegem políticos para atacar os povos indígenas. O equilíbrio do clima é responsabilidade de todos nós.
O movimento indígena, a partir de agora se organiza para sensibilizar os senadores da república após essa chuva de preconceitos proferida pela bancada ruralista na Câmara Federal. A Coiab disponibilizou em suas redes sociais os e-mails e contatos dos gabinetes para que sua Rede possa pressionar e garantir que o Marco Temporal não passe no Senado.
Marco Temporal: Deputados aprovam projeto de lei contra os direitos indígenas, agora a decisão segue para o Senado Federal
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