Lideranças Indígenas reafirmam autoridade climática na Semana do Clima de Nova York

Lideranças também usaram o espaço para denunciar os efeitos da seca extrema e queimadas nos territórios indígenas da Amazônia brasileira.

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Publicada em: 03/10/2024 às 15:12

A delegação indígena da Amazônia brasileira desembarcou na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, para participar de uma extensa agenda de reuniões e debates do maior evento climático do gênero. A Semana do Clima de Nova York (Climate Week NY, em inglês) reuniu líderes de governo, organizações internacionais, sociedade civil e empresas, entre os dias 22 e 29 de setembro, para discutirem questões relacionadas às mudanças climáticas e estratégias para seu enfrentamento.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) iniciou sua participação na Climate Week NY 2024 no painel “Acesso direto ao financiamento climático para povos indígenas na Bacia Amazônica”, promovido pela The Nature Conservancy (TNC), na segunda-feira (23). Na ocasião, o coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, enfatizou a importância de assegurar aos povos indígenas o acesso a recursos financeiros que tem sido fundamentais para auxiliar os territórios, especialmente no contexto de mudanças climáticas extremas, nas quais os territórios estão sendo atingidos por enchentes, secas e queimadas.

As iniciativas e mecanismos de financiamento voltaram a ser discutidos em outros espaços, como a mesa sobre paradigmas financeiros equitativos para proteção florestal, participação e benefícios para povos indígenas e comunidades locais nos financiamentos climáticos e outras mesas de discussão. A representante da Coiab no G9 da Amazônia Indígena, Angela Kaxuyana, apresentou o Fundo Indígena da Amazônia Brasileira, o Podáali, ressaltando a importância dos fundos destinados diretamente aos territórios indígenas.

“Essas iniciativas têm uma importância não só de facilitar os acessos, mas de impulsionar o sentimento de pertencimento, de valorização dessas iniciativas nos territórios indígenas. Também vêm quebrar uma história de inacessibilidade desses recursos de forma direta. É uma garantia de que as iniciativas sejam reconhecidas nos territórios na perspectiva do olhar, sentimento, gestão dos povos indígenas”, reflete Kaxuyana.

Temáticas como economia indígena, conservação de florestas tropicais, REDD+ Jurisdicional, Carbono, Advocacia Indígena também foram discutidas ao longo do evento que reuniu cerca de 600 atividades nos formatos presenciais, híbrido e online.

Amazônia à Beira do Colapso

Durante a programação da Climate Week NY 2024, a Coiab realizou uma coletiva de imprensa com lideranças indígenas do Brasil, Equador e Peru para denunciar as crises e desafios enfrentados pelos povos indígenas da América do Sul. Na ocasião, as lideranças brasileiras destacaram a situação das queimadas e da pior estiagem registrada no último século, que atinge cerca de 150 territórios, localizados na Amazônia brasileira.

A coletiva contou com a participação das autoridades climáticas, Toya Manchineri, coordenador geral da Coiab, o cacique Raoni Metuktire, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), da representante do G9, Angela Kaxuyana. Também participaram do evento a liderança indígena do Equador, Patricia Gualinga, e Herlin Odicio, da Organización Regional Ucayali (ORAU), localizada no Perú.

O evento foi marcado pelo lançamento do Boletim Trimestral da Seca Extrema nas Terras Indígenas da Amazônia Brasileira, intitulado “Amazônia à Beira do Colapso”, produzido pela Gerência de Monitoramento Territorial Indígena (GEMTI) da Coiab. A publicação traz dados alarmantes sobre a seca e queimadas nos territórios indígenas brasileiros, além de trazerem informações sobre o nível dos rios da Amazônia.

Toya Manchineri denunciou a realidade vivenciada por dezenas de territórios indígenas em situação alarmante. “Parte da Amazônia, hoje, pega fogo. As queimadas e a seca extrema tem afetado diretamente a vida dos povos indígenas. São 149 terras indígenas que estão vivenciando essa realidade, 42 delas estão vivenciando em sua extremidade: desde a falta de água até a perda de suas plantações. É preciso ampliar esse debate para que as pessoas tenham conhecimento e possam interferir nos sistemas de governança que reforçam esse modelo de desenvolvimento”, afirma o coordenador.

Angela Kaxuyana também ressaltou que os efeitos da estiagem e queimadas vão além da perda da biodiversidade, ressaltando os impactos contra a vida, identidade e cultura dos povos indígenas. “Quando falamos em incêndios florestais, não estamos falando apenas de perdas de florestas, de animais e espécies, também estamos falando de perdas de vidas. Estamos falando de uma parte importante e resistente das nossas famílias. O mundo precisa parar imediatamente para refletir e tomar iniciativas para cobrar dos estados ações efetivas para salvar os povos indígenas”, afirma.

Demarcação como estratégia de enfrentamento à crise climática

Em meio às discussões da Semana do Clima de Nova York, as lideranças indígenas pontuaram a necessidade de elencar a demarcação e titulação de novos territórios indígenas como a principal estratégia de enfrentamento às mudanças climáticas. Para isso, Toya Manchineri destacou a necessidade de reconhecer os povos indígenas como as principais autoridades climáticas, sendo os verdadeiros protagonistas na conservação e gestão dos recursos naturais e serviços ecossistêmicos.

“A reposta somos nós. Somos nós que precisamos interferir na mentalidade de quem detém o poder de construir leis e pensar no desenvolvimento. Precisamos construir políticas públicas capazes de olhar para as pessoas e os seus problemas. Não pensamos apenas enquanto povos indígenas, pensamos nos quilombolas, nos extrativistas, nas pessoas que vivem nas periferias e nos centros urbanos. Como mata a fome do país se não tem terra? É necessário repensar o modelo de desenvolvimento. E esse debate passa pela demarcação dos territórios dos povos indígenas”, reflete Toya.

Para a efetivação dessa estratégia, Manchineri também destacou a importância dos 193 países que compõem a Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) se comprometerem na demarcação ou titulação dos territórios indígenas como política de clima.

Essa declaração do coordenador faz alusão aos discursos realizados pelos chefes de Estado e de governo que participaram da 79ª edição da Assembleia Geral das Nações Unidas, que ocorreu em paralelo à Semana do Clima do Nova York. Na ocasião, o presidente Lula falou sobre a necessidade de ouvir os povos indígenas e comunidades locais para pensar em estratégias climáticas, mas evitou mencionar as falta de assistência do Governo Federal em relação a esses povos que estão sofrendo com os efeitos da seca e queimadas

Leia a Nota da Coiab sobre a declaração do presidente Lula: Governo brasileiro precisa reconhecer na prática papel dos povos indígenas para combater a fome e a emergência climática

Para além da demarcação de terras indígenas como política de clima, a Coiab e suas organizações de base trouxeram outras pautas de enfrentamento a mudanças climáticas. Entre os pontos levantados, o protagonismo dos povos indígenas nas discussões estratégicas e espaços de tomada de decisão se destacou. Através dos conhecimentos ancestrais e perspectivas de mundo, as lideranças indígenas se destacam como as maiores autoridades climáticas.

Outras demandas elencadas como prioritárias foram a maior visibilidade das estratégias da Economia Indígena como alternativa ao modelo de desenvolvimento desenfreado, a transição energética justa, fim dos combustíveis fósseis, desmatamento e ilegalidades. O cumprimento e atualização da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês) que visa, especialmente, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, também foi discutido.

A Climate Week faz parte de uma série de eventos internacionais que fazem parte da agenda climática global, que desempenham papel crucial na formação de políticas, mobilização de recursos e promoção da conscientização sobre as mudanças climáticas. Para os próximos meses, a Coiab participará da Convenção sobre Biodiversidade Biológica que ocorrerá neste mês, em Cali, além da Conferência das Partes (COP) 29, que será realizada Baku, Azerbaijão.

A Coiab e suas organizações de base têm realizado uma incidência política estratégica nesses eventos, ampliando a voz dos povos indígenas e suas pautas prioritárias. A expectativa é fazer mobilizações e intervenções, reunindo a maior delegação indígena rumo a COP 30, que será realizada em Belém, em 2025.

Texto: Ingryd Hayara

Imagens: Isaka Huni Kuin