Foto: Pepyaká Krikati
Entre os dias 3 e 5 de dezembro, cerca de 100 lideranças indígenas dos estados do Maranhão, Pará e Amapá estiveram reunidas na Aldeia Maçaranduba, na Terra Indígena Caru, no Maranhão, para participar da formação “Mudanças Climáticas, Carbono e REDD+ Jurisdicional”. Promovida pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), por meio do Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI), em parceria com a Architecture for REDD+ Transactions (ART), a iniciativa destacou-se como um marco no fortalecimento da autonomia indígena frente aos desafios climáticos.
Durante os três dias de encontro, as lideranças aprofundaram seus conhecimentos sobre estratégias climáticas, mercado de carbono, salvaguardas e mecanismo de REDD+ Jurisdicional. Este último refere-se a um modelo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal que envolve estados e governos locais na implementação de projetos de conservação florestal e geração de créditos de carbono.
Foto: Kaiti Topramre Totore Gavião.
Para Gracinha Manchineri, gerente e coordenadora pedagógica do CAFI, é essencial que os povos indígenas participem das discussões sobre REDD+ Jurisdicional desde o início, estando presentes em todas as etapas. Segundo ela, o curso foi guiado por dois objetivos principais: “O primeiro é desenvolver os conhecimentos políticos sobre as causas climáticas e os efeitos que tem nos territórios indígenas. O segundo objetivo é um pouco mais técnico, voltado para desenvolver os conhecimentos das lideranças indígenas sobre REDD+ Jurisdicional, que é o formato que se trata diretamente com o governo. Para isso, as lideranças precisam entender mais sobre o assunto e suas etapas, principalmente relacionada ao crédito de carbono e como se negocia”, afirma.
O encontro explorou como as lideranças podem dialogar com os governos locais, estaduais e federal, assegurando uma participação ativa na construção de soluções justas e na distribuição equitativa dos benefícios desses projetos. Também foram compartilhadas experiências locais, destacando desafios como a falta de comunicação e transparência durante as negociações e preocupações com os impactos sobre os povos e territórios indígenas.
“É uma formação para nós, lideranças indígenas, para sabermos sobre as negociações e sabermos falar sobre REDD+ Jurisdicional. Conseguirmos dialogar com outras empresas ou governos e não sermos enganados durante esse processo. Já temos essa preparação. Essa informação é importante, pois vamos levar isso para as nossas bases, nossas comunidades e nossos caciques que estão lá”, afirma Mydjere Kayapó Mekragnotire.
Foto: Kaiti Topramre Totore Gavião.
As lideranças também participaram de atividades práticas, incluindo a estimativa de créditos com a abordagem de acreditação TREES e HFLD. Para Dalson dos Santos, do povo Karipuna, esse momento foi essencial para fortalecer o aprendizado e o diálogo sobre o tema. “A formação está mostrando como as negociações podem acontecer. Isso vem mostrando para nós os direitos e como podemos dialogar junto, ao lado dos povos indígenas do Brasil que estão sofrendo as consequências das mudanças climáticas nos nossos territórios. O conhecimento é de suma importância para entendermos como está sendo negociado com os governos e para podermos participar, acompanhar e entender para proteger nossos territórios”, declara.
Gênero e Combate às Mudanças Climáticas
Durante a formação, o debate de gênero ganhou destaque, reforçando a importância de integrar as perspectivas diversas em ações climáticas e sociais. As mulheres indígenas são as mais afetadas pelos extremos climáticos, mas também lideram soluções, combinando conhecimentos tradicionais com ações inovadoras.
Foto: Kaiti Topramre Totore Gavião.
Uma roda de conversa reuniu mulheres e homens para discutir temas como gênero, violência, representatividade e formas de ampliar a atuação feminina em espaços de decisão. A troca de experiências impulsionou reflexões sobre o fortalecimento das mulheres no movimento indígena e em outros espaços de poder.
Para Maria Helena Gavião, vice-coordenadora da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA), o encontro representou uma oportunidade de fortalecimento e acolhimento entre mulheres, além de promover a reflexão sobre a importância da presença feminina em espaços de decisão. “É importante termos momentos assim para nós mulheres. Só assim conseguimos nos abrir, falar dos nossos problemas e da violência que enfrentamos, tanto dentro quanto fora dos territórios. É essencial para nós, mulheres, temos esse espaço para falar sobre nossos desafios”, destacou Maria Helena, enfatizando a importância de fortalecer o diálogo e a promoção de formação entre as mulheres indígenas.
Esse debate faz parte da estratégia da Coiab para enfrentar a falta de políticas públicas voltadas para mulheres e LGBTQIAPN+ indígenas. Uma das ações de destaque é a busca pela paridade de gênero em todas as formações promovidas pelo CAFI, promovendo a construção de caminhos mais inclusivos e resilientes.
Brincar, Sorrir e Lutar
As crianças e adolescentes do Centro de Educação Escolar Indígena Bilíngue Guajajara, localizada na Aldeia Maçaranduba, também participaram ativamente da formação sobre Mudanças Climáticas, Carbono e REDD+ Jurisdicional. Além de se fazerem presentes no curso, os estudantes apresentaram projetos desenvolvidos no ambiente escolar, incluindo as vivências no programa Amazônia de Pé nas escolas indígenas que busca conscientizar, mobilizar e atuar politicamente para a conservação da floresta.
Foto: Kaiti Topramre Totore Gavião.
Na oportunidade, também houve um diálogo junto ao CAFI Parentinho, destacando a força do “brincar, sorrir e lutar” como pilares que integram as vivências das crianças indígenas e a discussão sobre a preparação das futuras lideranças indígenas. Também foi articulada a mobilização das crianças indígenas do Território Carú para participarem do Acampamento Terra Livre (ATL), em 2025.
O CAFI Parentinho é uma iniciativa do CAFI que nasceu com a proposta de ser um ambiente de acolhimento de crianças indígenas que acompanham os pais e mães nas agendas de luta. A primeira edição ocorreu durante o ATL, em 2024, desenvolveu atividades formativas adaptadas à idade das crianças, abordando o Movimento Indígena de forma lúdica e participativa. Nesse contexto, as crianças foram incentivadas a expressar suas culturas e ideias por meio de cantos, danças, desenhos e outras atividades, reforçando a importância da escuta ativa para fortalecer o vínculo cultural e identitário desde cedo.
Celebração dos Conhecimentos Tradicionais
Além de promover uma formação técnica e política, o curso se consolidou como um espaço de valorização das identidades e culturas dos povos indígenas. Representantes de cerca de 20 povos da Amazônia brasileira entoaram cantos, realizaram rituais e celebraram o reencontro entre parentes. A semana também contou com ações simbólicas, como o plantio de árvores de espécies típicas do Maranhão, realizado pelas delegações dos três estados participantes, representando a esperança e o compromisso com o futuro dos territórios indígenas.
Foto: Kaiti Topramre Totore Gavião.
O encerramento da formação foi um momento de celebração e emoção, marcado pela entrega de certificados a 100 lideranças indígenas. O ato representou não apenas a conclusão do curso, mas também o reconhecimento do compromisso e da dedicação dessas lideranças na luta pelos direitos e pela preservação dos territórios indígenas. A cerimônia foi coroada com a apresentação de uma música composta por Nelson Tembé, que simbolizou a união, a força coletiva e a resistência dos povos indígenas, reforçando o espírito de luta e esperança que guiou toda a formação.
A formação em REDD+ Jurisdicional foi fruto das discussões entre o Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI) e a Assessoria Jurídica da Coiab, representada especialmente pela Dra. Cris Baré. Reconhecida por seu comprometimento com a formação de lideranças indígenas, Cris Baré dedicou-se ao fortalecimento de temáticas estratégicas para a autonomia dos povos indígenas. Em sua homenagem, as turmas formadas levarão o nome: Cris Baré, Presente!
A formação continuada em Mudanças Climáticas, Carbono e REDD+ Jurisdicional contou com o apoio do Fundo Kawari, Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a World Wide Fund for Nature (WWF) Brasil e Greenpeace Brasil.