Lideranças Indígenas alertam para “cenário apocalíptico” da Amazônia

Por: Antônio Marinho Piratapuya

Publicada em: 20/11/2025 às 12:58

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) participou, na quarta-feira (20), da conferência de imprensa “Cenários Climáticos em Territórios Indígenas Amazônicos: um apocalipse para o planeta”, promovida pela Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica) na Zona Azul da COP30. O painel reuniu lideranças indígenas e especialistas internacionais para apresentar dados inéditos sobre o avanço do colapso climático na região amazônica.

Estiveram presentes Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab, Fany Kuiru, coordenadora-geral da Coica, Wayne Walker, vice-presidente de Ciências do Woodwell Climate Research Center e Mark Moroge, vice-presidente de Florestas EDF.

Abrindo a apresentação técnica, Wayne Walker destacou, com base em mapas e análises científicas, o papel crucial dos territórios indígenas na proteção da Amazônia. Ele revelou que 89% da perda de cobertura florestal nos últimos 25 anos ocorreu fora dos territórios indígenas, enquanto apenas 11% aconteceu dentro deles. “Esses territórios têm sido uma verdadeira barreira contra o desmatamento e degradação florestal”, afirmou.

Walker também apresentou dados sobre o estoque de carbono. Os territórios indígenas amazônicos armazenam 31 bilhões de toneladas de carbono acima do solo, o equivalente a três anos de emissões globais de combustíveis fósseis. O pesquisador alertou ainda os riscos das mudanças climáticas que os territórios indígenas da Amazônia enfrentarão nas próximas décadas: o aumento extremo da temperatura: os territórios que hoje enfrentam 20 dias acima de 39 °C por ano passarão de 11% para 51%; as secas severas: quase 20% dos territórios indígenas estarão sob seca extrema metade do ano; e o risco de incêndios: a área de territórios sob risco muito alto ou extremo de fogo aumentará de 41% para 60%.

“Os povos indígenas mantiveram as florestas em pé, mas as mudanças climáticas representam ameaças reais e crescentes. Eles precisam do nosso apoio para mitigação e adaptação”, reforçou Walker. 

“Sem direitos territoriais, não existe política climática séria”

Em seu pronunciamento, Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab, fez um alerta sobre a realidade vivida nas comunidades. “Falo de uma Amazônia que está secando, esquentando, queimando diante dos nossos olhos”, afirmou.

Segundo ele, a perda de carbono e a degradação florestal já são sentidas no cotidiano: roçados queimados pelo calor extremo, rios rasos demais para navegação, seca provocando mortandade de peixes e isolamento de povos inteiros e incêndios cada vez mais frequentes, vindos de áreas degradadas e pressionando territórios indígenas.

“Não existe política climática séria enquanto os territórios indígenas continuarem expostos ao fogo, à seca e à ilegalidade”, ressaltou o coordenador.

Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab. Crédito: Kaiti Gavião

Toya também enfatizou que a Amazônia não suportará um cenário de 3 °C. “A floresta já está mudando de uma mata úmida para uma mata inflamável. Se isso acontecer, a Amazônia deixará de ser o regulador climático do planeta”.

Ele defendeu a demarcação e o reconhecimento internacional do papel dos povos indígenas. “Os povos indígenas não pedem caridade, pedimos reconhecimento, financiamento direto e políticas que respeitem nossas governanças sobre os nossos territórios. Enquanto alguns destroem, nós seguimos defendendo. Enquanto outros veem recursos, nós vemos vida. E sem essa vida, não existe futuro para ninguém”, afirmou.

“No Brasil, temos um legado que vai ficar para a COP: 59 mil hectares de terras demarcadas. O governo brasileiro demarcou nessa COP, mas isso ainda é muito pouco. Precisamos de 100 milhões de hectares demarcados só na Amazônia brasileira. É necessário que os países também reconheçam a contribuição dos povos indígenas na proteção de seus territórios”, destacou o coordenador-geral da Coiab, ao finalizar sua participação ressaltando o legado deixado pela conferência no país.

“A Amazônia está agonizando”

A coordenadora-geral da Coica, Fany Kuiru, reforçou o caráter urgente e dramático dos dados apresentados. “Os dados que vimos não são previsão futurista. São a radiografia de uma Amazônia que já está no limite, doente e agonizando”, afirmou.

Ela destacou que a perda de florestas fora dos territórios indígenas empurra atividades ilegais diretamente para dentro das comunidades: estradas clandestinas, madeireiras e mineração.

Fany Kuiru, coordeandora-geral da Coica. Crédito: Kaiti Gavião.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Quando a floresta cai, não cai apenas um ecossistema, cai a memória, caem nossos lugares sagrados, caem as rotas ancestrais”, declarou.

Fany lembrou que com 1,5 °C de aquecimento, comunidades já vivem ondas de calor insuportáveis, com 3 °C roças falham, fauna e flora desaparecem e doenças avançam. O resultado, disse ela, é devastador: perda de dignidade, deslocamento forçado, crise alimentar e ruptura cultural e espiritual. “Os povos indígenas não somos apenas vítimas do clima, somos os que sustentam a estabilidade climática do planeta”, afirmou.

Mesmo assim, disse, a governança indígena não é reconhecida, e o financiamento direto não é garantido. “Proteger a Amazônia não é uma opção moral, é uma obrigação climática. E só é possível fortalecendo quem a protege há milênios: os povos indígenas”.

A conferência encerrou com um apelo comum de todas as lideranças: sem territórios demarcados e sem financiamento direto para governança indígena, a Amazônia entrará em colapso e junto com ela, o clima do planeta.

A Coiab reforça que continuará denunciando as ameaças e pressionando governos, financiadores e instituições internacionais para reconhecerem o papel vital dos povos indígenas na proteção da floresta e da vida.

Capa: Kaiti Gavião