Há um ano desprotegida, Terra Indígena Jacareúba-Katawixi (AM) vira terreno de exploração ilegal de madeira

Última Portaria de Restrição de Uso venceu em dezembro de 2021. Levantamento mostra que mais de 12 mil árvores adultas foram derrubadas na Terra Indígena, cerca de 209% a mais do que no ano anterior

Publicada em: 01/12/2022 às 17:44

A Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, localizada no sul do Amazonas, está entre as Terras Indígenas com a presença de povos indígenas isolados mais ameaçadas do país. O motivo é óbvio: há um ano a Fundação Nacional do Índio (Funai) negligencia a proteção do território sem qualquer justificativa formal. Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) comprova que, entre agosto de 2021 e setembro de 2022, a TI Jacareúba-Katawixi registrou mais 21,9 hectares em novos desmatamentos, o que representa mais de 12 mil árvores adultas derrubadas.

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A taxa de destruição registrada é 209% maior do que a taxa do ano anterior, segundo o Prodes/INPE. Esses dados revelam que existe uma invasão contínua do território para exploração ilegal de madeira sem qualquer ação do Estado para contê-la.

Além do crescimento expressivo do desmatamento, outra constatação alarmante foi evidenciada no levantamento realizado via imagens de satélite: uma nova frente de extração ilegal de madeira no interior da TI Jacareúba-Katawixi. A atividade, que está acontecendo próximo ao limite sudeste do território, iniciou-se com a abertura de um ramal a partir do interior de uma fazenda vizinha e segue rumo à TI, que por sua vez possui toda essa porção leste tomada de fazendas que pressionam fortemente os limites do território, especialmente à beira do rio Mucuim, importante afluente da margem direita do rio Purus.

Os dados obtidos através do sistema de monitoramento autônomo do ISA (Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento – SIRAD), comprovam que o aumento do desmatamento pode estar associado com a expectativa e especulações dos invasores sobre a não renovação da Portaria de Restrição de Uso.

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“A ausência de medidas enfáticas para a proteção territorial das terras com a presença de indígenas em isolamento sujeita estes povos a ataques, contatos forçados, insegurança alimentar e uma série de outras ameaças que podem ser fatais para a sua sobrevivência física e cultural”, explica a assessora Jurídica do ISA, Juliana Batista.

A área, localizada nos municípios de Canutama e Lábrea (AM), faz parte de um importante mosaico de áreas protegidas, que possui uma diversidade de povos indígenas, populações tradicionais e ecossistemas florestais preservados. A T.I. Jacareúba-Katawixi é sobreposta quase integralmente (96% do território) pelo Parque Nacional Mapinguari, criado em 2008. O registro sistemático da presença dos indígenas isolados na região ocorreu durante o planejamento das obras das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, quando a Funai alertou o Ibama para a existência de vestígios dessas populações.

Apesar das evidências da presença de povos isolados serem registradas desde os anos 1970, a medida protetiva da área só aconteceu, pela primeira vez, em 2007, quando foi editada a primeira Portaria de Restrição de Uso com prazo de vigência de três anos. Ao fim da primeira Portaria, foram mais quatro outras portarias de igual teor, sendo que a última venceu em dezembro de 2021, assinada ainda pelo então Presidente da Funai, General Franklimberg.

Segundo Luiz Fernandes, da Gerência de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da COIAB, “o abandono deste território é mais um sintoma agudo da política de destruição que tomou de assalto cargos de gestão, as instâncias de tomadas de decisão na Funai e, de forma muito particular a política de proteção aos povos indígenas isolados e recente contato”.

“A perseguição aos servidores da Funai local e lideranças indígenas, o abandono das Frentes de Proteção e a falta de condições para atuar ficaram evidentes e mais graves nestes últimos 3 anos. A Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus, vinculada à Funai, é responsável por proteger uma área extensa que vai desde a região das fronteiras entre Rondônia, Amazonas e Mato Grosso, próximo à TI Tenharim do Igarapé Preto, passando pelo interflúvio Madeira-Purus e chegando ao Purus-Juruá a oeste. Não há condições de execução pelo aparelhamento e ingerências da [Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato] CGIIRC e da [Diretoria de Proteção Territorial] DPT junto à Unidade Gestora da Região, a CR Médio Purus (ocupada até outubro deste ano por militares) o que reflete no abandono das ações, perseguição e risco de conflitos a todo tempo e nenhuma medida administrativa para garantir a proteção integral da TI Jacareúba Katawixi”.

“Pela gravidade que se encontra atualmente a região, a referência de iniciativas a atuações em conjunto no passado se tornaram algo tão distante que Bases foram abandonadas e expedições de monitoramento se tornaram raras e por vezes perigosas. Até 2016, 2017 a presença em uma Base de Proteção Etnoambiental foi possível manter na parceria com a Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus – FOCIMP, Ministério Público Federal, extrativistas, FUNAi e ICMBio, isso somente para a proteção da região norte da TI Jacareúba-Katawixi. Mas a porção leste e sul da terra, permanecem desprotegidas e com a grilagem e invasão sistemáticas os riscos de genocídio só aumentam. Ameaças a lideranças, planos de manejos forçados nos limites da TI Caititu tem ocorrido. O assédio na região e ingerências de órgãos como INCRA e ICMBio tornam mais vulneráveis às diversas situações possíveis de sobrevivência dos indígenas na região. Todo trecho leste e ao Sul tem um histórico de violência no campo e de muita omissão do Estado brasileiro e isso se agravou nos últimos 3 anos. Por isso, essa TI é uma das mais vulneráveis em termos de proteção de isolados”, continua Fernandes.

Outro fator apontado pelos indigenistas como um possível motivo frente a omissão da Funai em proteger a TI Jacaraeúba-Katawixi é pelo fato de seu limite se encontrar somente a 15 quilômetros da Rodovia BR-319, cuja Licença Prévia para a pavimentação foi concedida em 2015 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Já o órgão estadual emitiu a Licença de Instalação para um trecho da obra. A BR-319, que liga Rondônia à Amazônia central, segue à margem da TI Jacareúba-Katawixi e, caso a proteção do território seja efetivada, poderia haver um embargo da pavimentação desse trecho que seria utilizado para facilitar o escoamento de monocultivos.

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