A Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, localizada no sul do Amazonas, está entre as Terras Indígenas com a presença de povos indígenas isolados mais ameaçadas do país. O motivo é óbvio: há um ano a Fundação Nacional do Índio (Funai) negligencia a proteção do território sem qualquer justificativa formal. Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) comprova que, entre agosto de 2021 e setembro de 2022, a TI Jacareúba-Katawixi registrou mais 21,9 hectares em novos desmatamentos, o que representa mais de 12 mil árvores adultas derrubadas.
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A taxa de destruição registrada é 209% maior do que a taxa do ano anterior, segundo o Prodes/INPE. Esses dados revelam que existe uma invasão contínua do território para exploração ilegal de madeira sem qualquer ação do Estado para contê-la.
Além do crescimento expressivo do desmatamento, outra constatação alarmante foi evidenciada no levantamento realizado via imagens de satélite: uma nova frente de extração ilegal de madeira no interior da TI Jacareúba-Katawixi. A atividade, que está acontecendo próximo ao limite sudeste do território, iniciou-se com a abertura de um ramal a partir do interior de uma fazenda vizinha e segue rumo à TI, que por sua vez possui toda essa porção leste tomada de fazendas que pressionam fortemente os limites do território, especialmente à beira do rio Mucuim, importante afluente da margem direita do rio Purus.
Os dados obtidos através do sistema de monitoramento autônomo do ISA (Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento – SIRAD), comprovam que o aumento do desmatamento pode estar associado com a expectativa e especulações dos invasores sobre a não renovação da Portaria de Restrição de Uso.
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“A ausência de medidas enfáticas para a proteção territorial das terras com a presença de indígenas em isolamento sujeita estes povos a ataques, contatos forçados, insegurança alimentar e uma série de outras ameaças que podem ser fatais para a sua sobrevivência física e cultural”, explica a assessora Jurídica do ISA, Juliana Batista.
A área, localizada nos municípios de Canutama e Lábrea (AM), faz parte de um importante mosaico de áreas protegidas, que possui uma diversidade de povos indígenas, populações tradicionais e ecossistemas florestais preservados. A T.I. Jacareúba-Katawixi é sobreposta quase integralmente (96% do território) pelo Parque Nacional Mapinguari, criado em 2008. O registro sistemático da presença dos indígenas isolados na região ocorreu durante o planejamento das obras das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, quando a Funai alertou o Ibama para a existência de vestígios dessas populações.
Apesar das evidências da presença de povos isolados serem registradas desde os anos 1970, a medida protetiva da área só aconteceu, pela primeira vez, em 2007, quando foi editada a primeira Portaria de Restrição de Uso com prazo de vigência de três anos. Ao fim da primeira Portaria, foram mais quatro outras portarias de igual teor, sendo que a última venceu em dezembro de 2021, assinada ainda pelo então Presidente da Funai, General Franklimberg.
Segundo Luiz Fernandes, da Gerência de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da COIAB, “o abandono deste território é mais um sintoma agudo da política de destruição que tomou de assalto cargos de gestão, as instâncias de tomadas de decisão na Funai e, de forma muito particular a política de proteção aos povos indígenas isolados e recente contato”.
“A perseguição aos servidores da Funai local e lideranças indígenas, o abandono das Frentes de Proteção e a falta de condições para atuar ficaram evidentes e mais graves nestes últimos 3 anos. A Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus, vinculada à Funai, é responsável por proteger uma área extensa que vai desde a região das fronteiras entre Rondônia, Amazonas e Mato Grosso, próximo à TI Tenharim do Igarapé Preto, passando pelo interflúvio Madeira-Purus e chegando ao Purus-Juruá a oeste. Não há condições de execução pelo aparelhamento e ingerências da [Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato] CGIIRC e da [Diretoria de Proteção Territorial] DPT junto à Unidade Gestora da Região, a CR Médio Purus (ocupada até outubro deste ano por militares) o que reflete no abandono das ações, perseguição e risco de conflitos a todo tempo e nenhuma medida administrativa para garantir a proteção integral da TI Jacareúba Katawixi”.
“Pela gravidade que se encontra atualmente a região, a referência de iniciativas a atuações em conjunto no passado se tornaram algo tão distante que Bases foram abandonadas e expedições de monitoramento se tornaram raras e por vezes perigosas. Até 2016, 2017 a presença em uma Base de Proteção Etnoambiental foi possível manter na parceria com a Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus – FOCIMP, Ministério Público Federal, extrativistas, FUNAi e ICMBio, isso somente para a proteção da região norte da TI Jacareúba-Katawixi. Mas a porção leste e sul da terra, permanecem desprotegidas e com a grilagem e invasão sistemáticas os riscos de genocídio só aumentam. Ameaças a lideranças, planos de manejos forçados nos limites da TI Caititu tem ocorrido. O assédio na região e ingerências de órgãos como INCRA e ICMBio tornam mais vulneráveis às diversas situações possíveis de sobrevivência dos indígenas na região. Todo trecho leste e ao Sul tem um histórico de violência no campo e de muita omissão do Estado brasileiro e isso se agravou nos últimos 3 anos. Por isso, essa TI é uma das mais vulneráveis em termos de proteção de isolados”, continua Fernandes.
Outro fator apontado pelos indigenistas como um possível motivo frente a omissão da Funai em proteger a TI Jacaraeúba-Katawixi é pelo fato de seu limite se encontrar somente a 15 quilômetros da Rodovia BR-319, cuja Licença Prévia para a pavimentação foi concedida em 2015 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Já o órgão estadual emitiu a Licença de Instalação para um trecho da obra. A BR-319, que liga Rondônia à Amazônia central, segue à margem da TI Jacareúba-Katawixi e, caso a proteção do território seja efetivada, poderia haver um embargo da pavimentação desse trecho que seria utilizado para facilitar o escoamento de monocultivos.
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“A rodovia tem alto potencial de estimular o desmatamento na região, uma vez que abrirá acesso a vastas áreas da floresta amazônica, preservada pela presença de populações indígenas”, explica Antonio Oviedo, pesquisador do ISA.
O levantamento realizado pela Campanha Isolados ou Dizimados foi protocolado na sexta câmara do Ministério Público Federal do Amazonas e a expectativa é que seja distribuído aos procuradores que atuam na Terra Indígena para que haja alguma ação de proteção imediata desse território. Acesse o relatório completo aqui.
No último dia 21 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou, de forma histórica, que o governo brasileiro tome todas as medidas necessárias para garantir a proteção da vida e dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato. A decisão do ministro Edson Fachin, foi proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991, proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e elenca sete obrigações impostas à União, à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para Fachin, existe uma “violação generalizada” dos direitos humanos dos povos indígenas isolados e de recente contato, devido à “omissão estrutural” do governo brasileiro. Ele afirmou que o governo utilizou um “método” para desfazer as proteções das terras de povos isolados, deixando de renovar as portarias de restrições de uso ou simplesmente não emitindo o instrumento em áreas com confirmação da presença de grupos isolados.
Isolados no alvo do desmatamento
Segundo dados oficiais de 2021, o desmatamento nas 33 TIs com registros de povos isolados e de recente contato, listadas em outra ADPF proposta pela APIB no STF, a ADPF 709/2020, representou 34% do total desmatado nas TIs da Amazônia Legal. Entre 2019 a 2021, foram 51.837,8 hectares desmatados nos territórios de povos isolados e de recente contato, e a média anual neste período representou um aumento de 164% em comparação com a média dos três anos anteriores (2016 a 2018).
Frente à situação emergencial, um coletivo de organizações indígenas e indigenistas encabeçado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), lançou em agosto de 2021 a campanha “Isolados ou Dizimados”, que conta com uma petição para pressionar as autoridades a agir para proteger as quatro terras com registros de isolados.
Para assinar a petição acesse AQUI.[/url]