Em meio à pandemia, e no combate ao (des)governo genocida, somos resistência lutando pelos direitos dos povos indígenas isolados

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Publicada em: 26/04/2021 às 15:46

Os povos indígenas conhecidos hoje como “isolados”, “autônomos”, “livres” ou “desconfiados” estão resistindo aos contatos forçados, e orquestrados de todos os lados, há 521 anos. Eles sabem que este outro mundo em que vivemos hoje está repleto de doenças, violências, e de gente que quer roubar suas terras, almas e vidas.

Esses povos resistiram e ainda resistem com força à invasão de seus territórios. Com sabedoria, entendem que sem a floresta não conseguirão alimentar seus filhos e as futuras gerações. São os sobreviventes dos históricos massacres e tentativas de genocídio aos povos indígenas do Brasil, que assistem hoje suas florestas serem desmatadas e queimadas, e suas vidas sendo levadas por conta dessa destruição. Com suas próprias formas de vida, afastadas das relações com os brancos, estão plenos em sua autodeterminação, e representam a nossa mais dura resistência!

No último ano, nós, movimento indígena da Amazônia e do Brasil, representado pela COIAB e APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), em conjunto com a nossa rede de organizações indígenas e parceiros da sociedade civil, concentramos nossos esforços para fortalecer a luta desses povos pelo direito de viverem conforme suas próprias escolhas e formas de vida.

Entre as várias ações de enfrentamento aos ataques aos direitos desses povos, em 2020, destacamos a petição junto ao Supremo Tribunal Federal, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 709, com o objetivo de garantir uma resposta adequada ao avanço do novo coronavírus em seus territórios. Com esta ação, obrigamos o governo a implementar barreiras e cordões epidemiológicos e sanitários, construir planos de contingência efetivos, e instaurar uma Sala de Situação onde representações indígenas e técnicos convidados pudessem monitorar as ações do governo. Essa Sala é um espaço importante para o movimento indígena orientar e sugerir ao Estado ações efetivas de enfrentamento à covid-19 em territórios com presença desses povos isolados. Apesar do governo genocida não ter implementado todas as medidas adequadamente, continuaremos cobrando e fazendo as nossas próprias barreiras sanitárias com a nossa rede de organizações e lideranças indígenas.

Vale ainda ressaltar que, em 2020, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), uma das organizações de base da COIAB, acessou a Justiça Federal, no Amazonas, para retirar e proibir o ingresso de missionários fundamentalistas que tentavam contatar povos em situação de isolamento, e que representavam sérios riscos de contágios da covid-19 para os indígenas na TI Vale do Javari. A mesma UNIVAJA, em defesa da política pública para os povos isolados e de recente contato, também ingressou em uma ação do Ministério Público Federal, na Justiça Federal, do Distrito Federal, pedindo o cancelamento da nomeação, no início de 2020, de um missionário fundamentalista para a Coordenador Geral de Índios Isolados da Fundação Nacional da Índio (Funai).

Neste ano de 2021, entramos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de número 6622, junto ao STF, pedindo a revogação de parágrafo do artigo 13º da Lei 14.021 de 2020, que permite a permanência de missionários fundamentalistas em Terras Indígenas onde vivem povos indígenas isolados, violando, assim, os direitos mais fundamentais desses povos à autodeterminação e à intangibilidade de seus territórios, exatamente na Lei que deveria garantir os cuidados necessários no combate à Covid-19.

Participamos e apoiamos a elaboração da Resolução n° 44 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), um avanço histórico nos direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil. Pela primeira vez, lideranças e representantes de organizações indígenas contribuíram diretamente na elaboração de um instrumento normativo oficial para a proteção dos povos indígenas isolados. Através dessa Resolução, o Estado brasileiro está obrigado a assegurar os direitos desses povos, de promover a participação indígena na construção das políticas públicas, e de respeitar os princípios de precaução. Infelizmente, não é novidade que, até o momento, o atual (des)governo genocida ignorou a Resolução.

Continuaremos o diálogo com nossas organizações de base que atuam em distintas regiões da Amazônia com presença de povos isolados e de recente contato. Seguiremos apoiando o trabalho realizado pelas comunidades que vivem no entorno desses povos, e suas iniciativas voltadas à proteção territorial e defesa dos seus direitos, e ao monitoramento das situações de ameaças.

Estamos também atentos e vigilantes sobre as intenções do governo, seus aliados ruralistas e de missões fundamentalistas, de avançar a boiada sobre as Terras Indígenas. Sobretudo, nas Terras Indígenas Piripkura, no Mato Grosso, e Ituna-Itatá, no Pará. Ambas são alvos da pressão do agronegócio e de madeireiros para sua redução e eliminação. Nos últimos anos, as duas Terras Indígenas, com presença de indígenas isolados, registraram altas taxas de desmatamento, representando um grave risco para esses povos.

Assim, reforçamos com esse manifesto o compromisso do movimento indígena em defesa dos territórios e modos de vida dos povos indígenas isolados e de recente contato na Amazônia. Não mediremos esforços para lutar pelas vidas desses nossos parentes! Não estamos à venda, e não recuaremos dessa batalha em nossos territórios!

Seguiremos na resistência pela autonomia e pelos direitos dos povos indígenas isolados!

Manaus/AM, 26 de abril de 2021

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)