“É Nosso Direito Ser Consultados”: Indígenas Reforçam Luta por Salvaguardas em Projetos de Desenvolvimento

Por: Antônio Marinho Piratapuia

Publicada em: 09/04/2025 às 19:04

Na manhã desta quarta-feira (9), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) promoveu a roda de conversa “Políticas de salvaguardas socioambientais e mecanismos de denúncia em projetos financiados por bancos multilaterais e empresas privadas”. 

O painel teve como foco a troca de experiências e perspectivas dos participantes sobre políticas de salvaguardas socioambientais e os caminhos para denúncias relativas a projetos financiados por bancos multilaterais e empresas privadas. Essa formação, promovida pelo Centro Amazônico de Formação Indígenas (Cafi), buscou capacitar os líderes indígenas para entender e atuar frente a essas questões.

As discussões aconteceram na tenda da Coiab, durante o  21º Acampamento Terra Livre, com a presença do Coordenador-Geral da Coiab, Toya Manchineri; da Dra. Kari Guajajara, assessora jurídica da Coiab; de advogados e advogadas da Rede de Advogados Indígenas da Amazônia Brasileira; de lideranças indígenas; e dos alunos do curso de formação estratégica para lideranças indígenas, promovido pelo Cafi, em Manaus (AM).

Em sua fala, o coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, destacou que o objetivo do curso é empoderar as lideranças indígenas no entendimento dos mecanismos de proteção e denúncia contra violações socioambientais promovidas por grandes projetos.

“Parentes, esse curso nos ensinou como esses bancos operam, como emprestam dinheiro para grandes empresas e como podemos pressioná-los a criar programas específicos para os povos indígenas. Também discutimos o BNDES e como podemos exigir a criação de políticas voltadas para nossos povos”, explicou Toya Manchineri ao público presente.

Entre os destaques do painel, a Dra. Auzenira Macuxi, advogada indígena de Roraima e integrante da Rede de Advogados Indígenas da Amazônia, expressou sua preocupação com a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que, segundo ela, tem financiado grandes empreendimentos em terras indígenas sem a devida consulta prévia e informada às comunidades.

Ela reforçou que tanto a Constituição Brasileira quanto a Convenção 169 da OIT garantem o direito à consulta livre, prévia e informada, e alertou que a ausência de demarcação não anula a tradicional ocupação do território. A advogada defende a presença de representantes indígenas dentro do BNDES para assegurar que os direitos territoriais sejam devidamente respeitados.

“Na minha visão, essa prática fere a Constituição e o que determina a Convenção 169 da OIT. Nossos territórios, mesmo sem demarcação, são tradicionalmente ocupados e merecem respeito. Essa foi uma das lições que levo deste curso”, completou Dra. Auzenira Macuxi.

Vozes das lideranças indígenas

O cacique Marcos Karajá, presidente da Articulação dos Povos Indígenas do Estado do Tocantins, compartilhou sua indignação com a situação dos povos indígenas no Brasil, criticando especialmente as falhas no processo de consulta prévia, livre e informada, frequentemente desrespeitado por órgãos como o Ibama na concessão de licenças para grandes empreendimentos.

Ele também apontou a fragilidade do sistema judiciário brasileiro, mencionando a influência política na nomeação de juízes e as dificuldades enfrentadas para obter justiça em casos de denúncias contra megaprojetos. Como exemplo, citou a construção da usina de Belo Monte, onde, mesmo após recorrerem à Justiça, os indígenas do Xingu não conseguiram impedir o avanço da obra. Além disso, criticou a lentidão das denúncias internacionais, que demoram anos para serem concluídas — tempo suficiente para que as obras sejam finalizadas e os danos consumados.

Cacique Marcos Karajá | Foto:

Cacique Marcos Karajá na plenária da tenda da Coiab | Foto: Bruno Kaxuyana – Acampamento Terra Livre 2025, Brasília – DF.

“O que mais me entristeceu nessa formação foi saber que nosso próprio país tem um banco que não inclui a nós, indígenas. Somos brasileiros, mas estamos fora dos programas de desenvolvimento do BNDES. Isso me deixou profundamente abalado”, desabafou o cacique.

Ele ainda ressaltou a importância de formações como a promovida pelo Cafi, considerando que as lideranças indígenas precisam estar preparadas para lidar com temas que vão desde questões criminais e trabalhistas até os direitos sociais.

Participação dos cursistas do CAFI

Os alunos em formação pelo Centro Amazônico de Formação Indígena também apresentaram suas perspectivas, compartilhando com o público os projetos de pesquisa voltados para seus territórios. Essas iniciativas visam fortalecer a autonomia das comunidades e podem ser transformadas em projetos concretos, com potencial para receber apoio e financiamento.

A cursista Mydiwaru Karajá, do Tocantins, destacou a importância do ritual de alimentação sólida para as crianças de seu povo. Ela explicou que o ritual, que envolve toda a comunidade, é um momento de grande significado cultural, conectando os bebês às raízes do povo Karajá e transmitindo força, sabedoria e espiritualidade.

Cursista Mydiwaru Karajá na plenária da tenda da Coiab | Foto: Bruno Kaxuyana – Acampamento Terra Livre 2025, Brasília – DF.

Já o aluno Nimon Oruê, vice-coordenador da Upiroma e coordenador da Organização Uruari em Rondônia, apresentou sua pesquisa voltada para a recuperação de áreas degradadas pelo fogo. “O fogo destruiu nossa fonte de alimentação, afetou a caça, a pesca, matou aves, animais, insetos e árvores frutíferas. Além disso, o avanço do agronegócio, dos grileiros e dos fazendeiros ameaça nosso território”, afirmou. Ele destacou ainda a importância de promover o bem-viver e garantir segurança alimentar para as 52 aldeias que compõem os seis territórios da região.

Encerrando as discussões, a Dra. Kari Guajajara reforçou  a importância dessa formação realizada pelo CAFI que prepara as organizações de base para discutir nos seus territórios a necessidade de construir salvaguardas para apresentar aos bancos e financiadores de projetos. “Muitos parentes tem protocolo, muitos povos tem protocolo de consulta, tem seus planos de vida, tem seus PGTA’s, mas isso não é respeitado. Esses mega projetos chegam aos nossos territórios, violando nossos direitos, entrando sem consulta livre e prévia e informada”, afirmou.

Foto capa: Bruno Kaxuyana, Acampamento Terra Livre de 2025. Brasília – DF.