A recente confirmação de um grupo de indígenas isolados na região de Lábrea (AM), em fevereiro deste ano, deixou mais uma vez evidente o descaso do governo federal em promover ações para proteger esses povos . O retrocesso na política nacional de proteção aos povos indígenas isolados, e a ampliação das fronteiras de desmatamento em áreas protegidas do Sul do Amazonas e podem provocar mais genocídios indígenas na história brasileira.
Novo relatório da campanha #IsoladosOuDizimados comprova que, se o cenário de desgovernança continuar, o desmatamento no sul do Amazonas, em território de indígenas isolados, pode quadruplicar e alcançar cerca de 170 mil km² em 2050, quatro vezes mais do que a média histórica para os anos de 2012 a 2016.
“A baixa governança e a perspectiva da pavimentação da BR-319 representam um alto potencial para o estímulo do desmatamento na região, uma vez que propiciará acesso a vastas áreas de floresta hoje preservadas. A abertura de novas fronteiras de desmatamento pode representar taxas de 9,4 mil km² por ano até 2050 na região, taxa similar à verificada no ano de 2019 para toda a Amazônia Legal, de 10,129 km²” explica Antonio Oviedo, coordenador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental (ISA).
O cenário pode comprometer um importante mosaico de áreas protegidas na região, composto por terras indígenas com a presença de isolados e Unidades de Conservação, localizadas no Médio Rio Purus, como a Resex do Médio Purus, Resex Ituxi, Flona do Iquiri, que já sofrem com invasões descontroladas de madeireiros e grileiros.
A Terra Indígena Jacareúba-Katawaxi, localizada nos municípios de Canutama e Lábrea é uma das que está sendo constantemente invadida, e mesmo com o registro da existência de indígenas isolados, também está desprotegida desde dezembro de 2021. O Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) registra 639 cadastros irregulares de invasores, que ameaçam mais de 60 mil hectares no interior da Terra Indígena.
Além disso, os dados oficiais do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes/Inpe) mostram que até julho de 2021, já foram desmatados 5.889,4 hectares no interior de Jacareúba, o que corresponde a mais de três milhões de árvores derrubadas, aponta o relatório.
Ao contrário da situação do grupo de indígenas isolados recém identificado pela Funai, que segue à mercê da inércia da órgão indigenista há mais de cinco meses para implementação de um mecanismo de proteção, o território Jacareúba-Katawaxi possui registro em estudo desde 2007 e tinha uma Portaria de Restrição de Uso, que vinha sendo renovada durante 10 anos seguidos. No entanto, esse mecanismo expirou em dezembro[highlight= rgb(255, 255, 255)] de 2021 e com a entrada do novo governo, a “Nova Funai” optou por não tomar as medidas necessárias para garantir a proteção dos isolados dessa TI.
Unidades de Conservação à mercê dos invasores
O relatório aponta que as invasões e desmatamento no sul do Amazonas se ampliam às Unidades de Conservação (UC) no Médio Rio Purus. Os crimes cometidos dentro dessas UCs podem comprometer a vida de indígenas isolados, ao passo que essas áreas também podem ser usadas para circulação dos mesmos. Além de colocarem em risco a vida de outras populações tradicionais que vivem no interior dessas áreas protegidas.
Entenda como a pressão nessas UCs:
Reserva Extrativista Ituxi: A Resex Ituxi está localizada entre a TI Jacareúba-Katawixi e a Resex do Médio Purus e, portanto, pode ser o território de ocupação do novo grupo de indígenas isolados, identificado na região de Lábrea. Em 2021, o sistema PRODES registrou um aumento no desmatamento escandaloso de 373% em comparação com o período anterior (2020). Ao todo foram 123,6 hectares desmatados somente ano passado.
A Resex também apresenta 146.454,4 hectares em registros irregulares do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em sobreposição no interior da Resex, evidenciando a forte pressão com a finalidade de apropriação fundiária irregular e novos desmatamentos.
Reserva Extrativista do Médio Purus: é uma Unidade de Conservação de uso sustentável localizada no oeste do estado do Amazonas, com território localizado entre os municípios de Lábrea, Pauini e Tapauá. Até julho de 2021, os dados do PRODES registram um desmatamento acumulado na Resex de 5.215,3 hectares. Em 2021, o mesmo sistema registrou um aumento de 39% em comparação a 2020.
Ainda, além do desmatamento de corte raso, registrado pelo sistema PRODES, a Resex sofre intensa degradação floresal por exploracão ilegal de madeira. Adicionalmente aos dados do PRODES, o sistema DETER do Inpe registrou durante o último período de medição do PRODES outros 203,3 hectares em alertas de desmatamento, evidenciando ainda mais a degradação florestal no interior da Resex.
Dados recentes mostram que nos últimos seis meses o cenário continua crítico. Entre agosto de 2021 e janeiro de 2022, já foram registrados 48,6 hectares em novos alertas de desmatamentos, o que corresponde a mais de 27 mil árvores adultas derrubadas.
Floresta Nacional do Iquiri: A Floresta Nacional (Flona) está localizada no município de Lábrea e foi criada visando o ordenamento territorial e manejo florestal sustentável na área de influência da BR-319. Porém, até julho de 2021, os dados consolidados de desmatamento pelo PRODES registram um desmatamento acumulado de 10.284 hectares nesta Unidade de Conservação, o que corresponde a 5,9 milhões de árvores adultas já derrubadas.
Os alertas mensais de desmatamento (DETER/INPE) comprovam que as invasões e desmatamentos continuam avançando no interior da Flona. Nos últimos seis meses, (de agosto de 2021 a de janeiro de 2022), já foram registrados 119,6 hectares em novos alertas de desmatamentos, o que corresponde a mais de 68 mil árvores adultas derrubadas. Neste mesmo período, a Flona do Iquiri registrou quase dois mil hectares em incêndios criminosos, segundo relatório.
A Flona também apresenta uma enorme área de ocupação irregular. São 1.188.387,2 hectares em registros irregulares do CAR em sobreposição no interior da Flona.
Isolados sem proteção
Mesmo com as invasões dessas áreas, não houve até agora nenhuma medida tomada pela Funai em Brasília para proteger o território onde habita o grupo de indígenas isolados recém indentificado no rio Mamoriá, e nem para renovar a portaria da TI Jacareúba-Katawixi.
Em nota assinada por Zé Bajaga Apurinã, Coordenador Executivo da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus, o movimento indígena se posiciona e faz um apelo para a urgente proteção de seus parentes isolados do Médio Purus.
“É preocupante e revoltante a morosidade do setor de índios isolados e de recente contato da Funai de Brasília em não tomar nenhuma providência concreta há mais de 5 meses após a confirmação oficial. Nós protegemos e resistimos há séculos e, com esta confirmação é URGENTE e IMEDIATA sejam tomadas medidas para proteção desses parentes isolados ”, diz a nota.
Em denúncia ao descaso na política de isolados da atual gestão da Funai, a campanha Isolados e Dizimados, realizada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Isolados e de Recente Contato (Opi), com o apoio de organizações aliadas, vem promovendo uma série de ações para chamar a atenção sobre a violência e o perigo que diferentes grupos de isolados estão correndo.
Para saber mais e apoiar a causa, acesse e assine a petição isoladosoudizimados.org [/url]e exija a proteção das Terras Indígenas com a presença de isolados.