A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) são contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas (AP) e em toda a região Amazônica. Um empreendimento como esse não condiz com o discurso de valorização da Amazônia, quando não respeita os povos que são parte indissociável deste bioma. Para nós, é impossível que um governo se comprometa em ter uma política ambiental que combate as mudanças climáticas e, ainda assim, se posiciona a favor do licenciamento de projetos que terão impacto socioambiental e aumento do uso de combustíveis fósseis, um dos maiores gargalos para barrar a crise climática.
A segunda maior contribuição para o aumento do efeito estufa provém da exploração de petróleo, portanto, não há lógica em possuir um discurso de sustentabilidade e desejar “explorar” recursos em detrimento da vida de toda a humanidade. Apenas preservar as florestas em pé não será suficiente para impedir que nosso planeta ultrapasse o aumento de 1,5ºC da temperatura global, acelerando a crise climática para um ponto sem retorno. O IPCC, painel de mudanças climáticas da ONU, alertou que o planeta precisa reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa em 43% nos próximos sete anos para evitar o agravamento da crise. E, segundo a Agência Internacional de Energia, para que isso aconteça, nenhum novo projeto de exploração de petróleo ou carvão pode ser licenciado em nenhum lugar do mundo a partir de 2021.
Desde 2017, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e norte do Pará (Apoianp) e o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (Ccpio) vêm alertando sobre os riscos e impactos da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, sobretudo desrespeitando o direito à consulta livre, prévia e informada, conforme previsto na convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em ofício assinado por inúmeras organizações socioambientais, a Apoianp reforça seu posicionamento frente à posição do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
No dia 13 de fevereiro, o Conselho de Caciques dos Povos do Oiapoque questionou a Petrobras [/url]sobre o projeto de exploração de petróleo próximo de três Terras Indígenas: Uaçá, Galibi e Juminã.
Superados os desafios de sobreviver a um governo fascista, necessitamos que a atual gestão mantenha seus compromissos de dialogar com as organizações indígenas, para que a prática seja espelho do discurso. É preciso respeitar o posicionamento de organizações que, em meio a uma crise sanitária e um governo omisso, conseguiram, com grande apoio de suas organizações de base e parcerias internacionais, amenizar os impactos da pandemia do Covid-19 e manter seguras as florestas e a biodiversidade.
Nós tivemos experiências anteriores, com megaprojetos de exploração na Amazônia que alardeavam grande acréscimo no abastecimento energético para o Brasil, o que nunca se tornou realidade, como Belo Monte. Ainda assim, os impactos para os povos indígenas e comunidades tradicionais amazônicas se tornaram reais e são irreversíveis.
Chama atenção que, nos últimos 10 anos, tivemos nove acidentes com petróleo. Pode parecer pouco, mas as consequências são imensuráveis para a biodiversidade marinha. No bloco exploratório de petróleo e gás FZA-M–59, em caso de algum acidente na perfuração, a resposta mais próxima está há 43 horas de distância. São praticamente dois dias de vazamento de petróleo sem contenção, com óleo indo em direção ao mar, em uma região com corais e biodiversidade sensível. As lideranças indígenas da região, a partir do conhecimento ancestral, afirmam que a dinâmica das marés pode trazer óleo para dentro das comunidades. Para além do impacto ambiental, o governo brasileiro não precisa fomentar impacto social e insegurança alimentar.
A exploração de petróleo é uma ameaça desastrosa que pode abrir uma ferida profunda nos lençóis freáticos, contaminando a fonte vital da vida e deixando cicatrizes irreparáveis na saúde humana. Devido à exposição de produtos químicos presentes no petróleo, o contato humano pode gerar problemas de intoxicação e danos ao fígado e rins.
“Considerando os motivos expostos na Nota Técnica, as organizações que subscrevem sustentam que o IBAMA não emita a licença de operação no Processo n.º 02022.000336/2014-53, para atividades de exploração de petróleo e gás no bloco FZA-M-59”, em ofício enviado ao governo, assinado por mais de 80 organizações de povos indígenas, quilombolas, extrativistas e populações tradicionais.
A Petrobras, em vez de explorar mais uma região da Amazônia, deve seguir o caminho para uma transição energética justa, contribuindo com as metas traçadas nas cúpulas do clima. E o governo deve alinhar o discurso com a prática, principalmente no tocante à região amazônica. É uma realidade muito dura para nós, povos indígenas, que defendemos territórios com nossas vidas e prestamos um serviço climático para todo o planeta, perceber que mais uma vez somos silenciados e desrespeitados em decisões que nos afetam diretamente.
Defendemos uma política de transição energética justa e que não reforce o racismo ambiental que povos indígenas, comunidades extrativistas, ribeirinhos e comunidades tradicionais sofrem em consequência da crise climática. Sendo nós, guardiões de nossas florestas e protegendo esses territórios com nossas próprias vidas, é inevitável que sejamos contra toda forma “exploratória” que beneficia poucos em detrimento a miséria de muitos.
Não haverá justiça climática com a continuação de práticas que impulsionam o aumento da temperatura do planeta. Nós, indígenas dos mais diversos povos, somos contra o discurso de desenvolvimento limpo que continua gerando violência contra a mãe terra e seus protetores.