Nas últimas semanas do mês de outubro (21 a 31), aconteceu a Conferência das Partes (COP) sobre Diversidade Biológica (CDB), chamada também de COP 16 da CDB, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) participou de uma intensa agenda, com painéis e eventos com pautas sobre biodiversidade e financiamentos para iniciativas indígenas. A Coiab também teve a oportunidade de realizar reuniões bilaterais com apoiadores e financiadores da organização que já apoiam projetos e também com instituições interessadas em conhecer as atividades da Coiab.
A Coiab teve uma incidência relevante em diferentes discussões, já que representa a Amazônia brasileira e os povos indígenas que vivem nessa região, por essa questão esteve em diferentes oportunidades de debates e eventos das quais se destacam as que veremos logo abaixo. Entender o compromisso da organização é fundamental para que as regiões de base da Coiab consigam projetos para melhorias de seus territórios, pois sabemos que o papel dos povos indígenas na preservação da biodiversidade tem destaque na pauta da Biodiversidade, conforme explica o coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri. “São os povos indígenas que mais preservam a biodiversidade no planeta, por meio de nossos conhecimentos ancestrais e relação única com a natureza”.
A COP16 é o principal fórum global de discussão e negociação de ações para a conservação da biodiversidade. Além da Coiab e do Fundo Podáali, algumas das organizações de base da Coiab estiveram presentes como a Articulação dos Povos Indígenas do Amazonas (APIAM), Federação Estadual dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA), Conselho Indígena de Roraima (CIR), Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA) e MATPHA (Movimento Indígena do Acre).
Povos Indígenas nas mesas de negociações e financiamentos
Os fundos indígenas surgem como uma potência em questões relacionadas a investimentos e financiamentos, eles servem para que os recursos e projetos cheguem de fato na ponta, sendo esses os territórios indígenas. Por essa questão, os fundos e o movimento indígena devem estar ocupando espaços onde estão em pautas seus territórios, seus modos de vida e sua existência. Sendo assim, a representação de líderes indígenas nas mesas de negociação mostram não só relevância na presença, mas também garante que os povos indígenas possam estar cientes e no controle das discussões, assumindo responsabilidades e demandando a outras organizações e o próprio governo. Isso nos garante, enquanto povos indígenas, o direito dos nossos territórios e controle das nossas narrativas. A Diretora Executiva do Fundo Indígena da Amazônia Brasileira – Podáali, enfatiza a importância dos financiamentos diretos e também o processo de criação de um mecanismo como o fundo Podáali:
“A construção de um mecanismo para nós povos indígenas é igual a qualquer outro processo de construção indígena. Ele responde às nossas demandas e processos internos, e o processo de criação do Podáali é resultado dessas metodologias, nós os povos indígenas da amazônia brasileira demoramos mais de 10 anos para construir esse mecanismo. Levando em consideração essas questões, os diálogos e a diversidade entre nós, para construir os consensos. E estarmos em diálogo direto com os financiadores é tão importante para ajudar os territórios de uma forma mais direta, sem precisar dos atravessadores do financiamento, nós entendemos as formas e as dificuldades que os territórios tem, coisas que esses atravessadores não entendem. Não só por isso, mas ter uma organização indígena incidindo faz realmente a diferença para os povos indígenas.”
As vozes dos povos indígenas devem ser ouvidas nos processos de negociações nas COPs, considerando os conhecimentos tradicionais e as práticas de manejo sustentável utilizados por esses povos que contribuem de forma significativa para a preservação ambiental. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), os indígenas representam 5% da população mundial e são responsáveis por proteger 80% da biodiversidade do planeta. O financiamento climático deve ser um processo de fácil acesso para chegar àqueles que já realizam ações de proteção ao meio ambiente, como os povos indígenas.
Marcha “A Resposta somos nós”
Na zona verde da COP 16, os povos indígenas de todo o Brasil lançaram uma declaração conjunta dos povos indígenas rumo à COP30 (convenção do clima da ONU, que será realizada em Belém em 2025), em que exigem do governo brasileiro a co-presidência da COP30 e o fim da extração de petróleo e gás na Amazônia brasileira. A marcha a resposta somos nós também visa proteger os povos e territórios indígenas e defender a biodiversidade, a mobilização foi articulada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e também pela Coiab, visto que a agenda foi realizada em território da Amazônia Indígena. Na oportunidade, foi lida a carta manifesto, onde um de seus trechos diz:
“Nós, povos indígenas brasileiros, diante da gravidade das crises de biodiversidade e do clima, sabemos que não há tempo a perder. Aqui, na COP-16 em Cali na Colômbia, viemos declarar que não aceitaremos mais nenhum projeto predatório, que ameace nossas vidas, nossos territórios e a humanidade. Não aceitaremos mais nenhum projeto de petróleo e gás e qualquer outra forma de exploração predatória na Amazônia brasileira, em nossos territórios e nossos ecossistemas. Não haverá preservação da biodiversidade e nem territórios indígenas seguros em um planeta em chamas.”
Os povos indígenas clamam que a demarcação de terras indígenas seja reconhecida como política climática e solução efetiva contra a crise climática e reivindicam um papel ativo e de liderança nas decisões globais que afetam o futuro do planeta. A campanha “A Resposta Somos Nós” exige um compromisso verdadeiro com o futuro do planeta, destacando a necessidade de ação imediata e a centralidade dos povos indígenas no combate à crise ambiental.
G9 da Amazônia Indígena
Um dos mais marcantes momentos durante a COP16, foi o lançamento da coalizão das organizações indígenas da bacia amazônia, que formam o G9 da amazônia indígena, com o objetivo de fortalecer os países e os povos indígenas da Bacia Amazônica, pensando em política públicas e incidências internacionais com foco em COP’s de clima e biodiversidade.
O coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, afirmou que “O G9 é um espaço técnico e político para podermos cada vez mais unificar o movimento indígena da bacia amazônica. Pensando em fazer incidência tanto nas COP’s de clima quanto na de Biodiversidade, visando também o caminho da COP 30, precisamos estar cada vez mais unidos”.
Essa é uma aliança inédita que posiciona as organizações indígenas como autoridades internacionais no mesmo nível das autoridades do G7 ou do G20. Os territórios indígenas são as potências mundiais da biodiversidade e do clima e por isso o G9 é uma importante ferramenta política que beneficia os territórios indígenas da bacia amazônica, podendo ter representantes em uma esfera internacional. A coalizão do G9 pode nos ensinar e direcionar os conhecimentos indígenas de diferentes povos no combate às mudanças climáticas e preservação da biodiversidade.
Adição do Artigo 8J como órgão subsidiário
Após 26 anos de manifestações constantes, foi estabelecido o órgão subsidiário do Artigo 8J, documento das Nações Unidas que trata do reconhecimento dos povos originários. O órgão foi aprovado durante a COP 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a criação desse órgão subsidiário permanente será importante para tratar dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais.
Esse é o primeiro passo para que os povos indígenas sejam incluídos nas futuras decisões e negociações sobre a conservação da natureza. Garantindo ainda maior participação nas negociações para aconselhar, mas sem direito a voto como uma parte. Esta decisão é considerada inédita, pois não existe outro processo na Organização das Nações Unidas na COP da biodiversidade com um órgão dedicado a povos indígenas e comunidades locais, iniciativa que já existe na COP do clima com a Plataforma de Povos Indígenas e Comunidades Locais
O próximo passo é a questão da demarcação de terras indígenas, que precisa avançar. É necessário garantir as terras indígenas como indicador das metas globais da Biodiversidade. Outro passo é acompanhar o plano de trabalho do Artigo 8(j) e a composição do órgão subsidiário, para isso será necessário que lideranças indígenas estejam alinhadas. Esse papel será provavelmente traçado junto ao G9 indígena que se trata de um espaço técnico e político do movimento indígena da Bacia Amazônica.
COP 30 no Brasil
A COP 16 da CDB, nomeada como a COP do povo por seus organizadores, nos deixa reflexivos sobre a expectativa de uma COP no Brasil, e ansiosos para uma COP de clima em território onde temos a maior floresta tropical do mundo, com a existência de 180 povos indígenas e 114 grupos indígenas em isolamento voluntário, a maior quantidade identificada no planeta. Por isso, a participação dos povos indígenas é uma prioridade para a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, visando que o governo entenda a importância da presença indígena nessas pautas e discussões, nos convidando para os mais diferentes temas que citem nossos territórios.
É importante estar atento as medidas que os governos locais e federais do Brasil estão tomando para receber um evento internacional com o porte da Conferência das Partes, para que os povos indígenas não passem por desrespeito ou qualquer outro ponto negativo dentro de seu próprio território, tal qual viabilizar a participação de uma delegação indígena dentro dos espaços de destaque da COP.
A expectativa é que o evento projete o estado do Pará para o mundo, mostrando seu jeito amazônico de ser e viver e o movimento indígena espera que suas pautas sejam projetadas internacionalmente com mais ênfase nas suas atividades de grande importância para o planeta. Assim como incluir nos documentos finais a importância dos territórios indígenas demarcados como política de clima para o bem viver do globo.
A participação da Coiab na COP 16 é viabilizada por meio da parceria com a Hivos, por meio da iniciativa Vozes pela Ação Climática Justa – VAC, e conta ainda com o apoio do Fundo Indígena da Amazônia Brasileira (Podáali), Greenpeace Brasil, WWF, Unicef, WCS, Fossilfueltreaty, 350.org, Ford Fundation e Fundo Brasil.