De forma pioneira, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) promoveu um encontro para construir o planejamento da incidência indígena rumo à 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada em 2025 em Belém (PA). A iniciativa nasce dentro da Amazônia brasileira, que vem sendo castigada pelos efeitos das mudanças climáticas e é tida como peça-chave para o equilíbrio climático e o futuro da humanidade.
Cerca de 80 comunicadores e lideranças indígenas reuniram-se para construir o Plano de Comunicação Estratégica da Agenda Climática da Coiab. O encontro, ocorrido entre os dias 22 e 26 de julho em Manaus (AM), teve como objetivo fortalecer a agenda climática e a incidência dos povos indígenas no debate global sobre o enfrentamento às mudanças climáticas, visando a COP 30. Durante a ‘COP da Amazônia’, serão revisadas as NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas], isto é, as metas e os compromissos de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) assumidos por cada país signatário do Acordo de Paris.
O encontro, organizado pela Gerência de Comunicação da Coiab, foi mediado e facilitado pelo Coletivo Proteja e contou com a participação de representantes das organizações de base da rede Coiab, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), União das Mulheres Indígenas da Amazônia (Umiab), Podáali – Fundo Indígena da Amazônia Brasileira e Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Participaram ainda parceiros da Coiab, como a The Nature Conservancy Brasil (TNC Brasil), Nia Tero, 350.org, ClimaInfo e Greenpeace Brasil.
A programação visou estabelecer objetivos, estratégias e ações para fortalecer a incidência da Amazônia indígena em agendas internacionais do clima. Além das COPs, o plano mira eventos como a Semana do Clima de Nova York, a Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (a COP da Biodiversidade), além de encontros estratégicos como a reunião da cúpula do G20, marcado para acontecer em novembro no Rio de Janeiro.
Entre as frentes apontadas pelos comunicadores e lideranças, estão a Formação Continuada, Incidência e Articulação Política e Financeira, Fortalecimento da Rede de Comunicadores e Visibilidade de Temas Estratégicos, como demarcação de terras, transição energética justa, economia indígena, dentre outros.
Para o coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, o encontro foi um passo importante para definir estratégias de como comunicar ‘para fora’, além do movimento indígena.
“Temos uma rede de comunicadores consolidada e precisamos nos qualificar ainda mais para podermos levar nossa voz e pensamento de forma que a gente consiga entrar na cabeça, não do nosso parente, mas dos empresários e outros públicos. A resposta somos nós. Como vamos mudar o pensamento do empresário? Temos que construir uma narrativa muita boa para fazer com que ele reflita o modo que ele está trabalhando no meio ambiente que não só é dele, mas de toda a nação. Hoje a Coiab pode apoiar, pensar além dos seus muros. Fico muito contente por este momento, onde o movimento novamente se torna grande e se consolida. Cabe a cada um de nos fortalecer cada vez mais a nossa Coiab, a nossa embaixada dos povos indígenas da Amazônia brasileira, para crescermos enquanto política pública”, afirmou o coordenador-geral.
Kleber Karipuna, representante da Coiab na Apib, destacou a importância do encontro para crescer o protagonismo dos povos indígenas, “para que a gente continue sempre nesse processo de qualificação, formação e visibilizando novas lideranças para o movimento indígena, principalmente da Amazônia brasileira”, disse.
Segundo Angela Kaxuyana, representante internacional da Coiab, a consolidação e ampliação da rede de comunicadores da Amazônia brasileira passa a ser referência para povos e organizações indígenas de outros países.
“A partir do empoderamento e formação, vocês [comunicadores e lideranças], passam a ser referência para os parentes dos países vizinho. Ninguém mais vai falar sobre nós [povos indígenas] da forma que falava antes. O domínio do conhecimento que vocês têm sobre nossas vidas e sobre o que queremos comunicar vai ser considerado mais importante e legítimo que qualquer outra comunicação”, declarou ela.
A diretora-executiva do Fundo Podáali, Valeria Paye, destacou a integração entre as gerações, desde os jovens comunicadores até lideranças mais antigas do movimento.
“Dá para ver aqui a junção de todos, da comunicação, das lideranças de diversos níveis que compõem o nosso movimento. Isso foi importante para mim, estar aqui, acompanhar e saber que a gente está caminhando e amadurecendo. Junto com a equipe do Podal, as nossas lideranças nos delegaram uma missão que temos que cumprir de forma excelente, porque temos formações e qualificações para fazer a coisa acontecer. As nossas lideranças são lideranças políticas que têm essas ligações que a gente tem que colocar, trazer para o chão e fazer a coisa acontecer. É desse jeito que vi a construção desse planejamento da comunicação”, disse Valeria.
Ao final do encontro, foi elaborado um manifesto que sintetiza os sentimentos e anseios da rede Coiab e parceiros para o papel dos povos indígenas na agenda climática global:
Na angústia diante da destruição, uma pergunta ecoa,
O futuro se esfuma, e a dúvida ressoa.
A natureza chora, rios clamam por paz,
Florestas em fogo, um destino fugaz.Mas, dos territórios, os povos se levantam,
Sabedoria antiga, que o tempo encanta.
Os povos da terra, guardiões da canção,
Com raízes profundas, apontam a direção.Nós sabemos dos ciclos, do céu e do chão,
Respeitamos a vida, em cada estação.
Com olhos de onça, e ouvidos do vento,
Guardamos a esperança, em cada momento.A resposta, tão nítida, vem de quem põe a mão na terra,
de quem tem o pé no chão,
Da sabedoria dos povos, em genuína união.
Para a pergunta que arde, que clama por paz,
Existe futuro? A resposta somos nós!Territórios indígenas, política climática essencial,
Protegendo a Terra, vínculo ancestral.
Cada pedaço de chão, um ato de resistência,
Santuários vivos, garantia de existência.Economia indígena, práticas que ensinam,
Sustentabilidade em cada ação que ilumina.
Cultura viva, modos de viver e produzir,
Equilíbrio sagrado, que devemos seguir.O bem viver, filosofia que nos guia,
Harmonia com a natureza, em cada dia.
Sabedoria ancestral, que floresce e resplandece,
Um caminho de justiça, que a todos enriquece.
O encontro foi possível com o apoio da Fundação Ford, projeto Conservando Juntos, da WCS Brasil em parceria com a Coiab, e Climate and Land Use Alliance (CLUA).
Texto: Valdeniza Vasques
Foto: Edilma Prada Céspedes