A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) lança nota técnica em que adverte para os riscos da Lei 14.701/2023, que tenta reinstalar o Marco Temporal e impor novas restrições ao processo de demarcação de Terras Indígenas. A norma será julgada pelo Supremo Tribunal Federal entre 10 e 15 de dezembro.
Segundo a Coiab, a lei é inconstitucional por violar o artigo 231 da Constituição, que reconhece os direitos territoriais indígenas como originários, imprescritíveis e não sujeitos a qualquer limitação temporal. A tese do Marco Temporal já havia sido rejeitada pelo STF em 2023, ao reconhecer que expulsões, remoções forçadas e violência histórica impedem o uso de 5 de outubro de 1988 como marco de comprovação territorial.
A organização também critica a Mesa de Conciliação criada pelo próprio STF, afirmando que povos indígenas foram chamados a negociar direitos já garantidos pela Constituição, sem consulta prévia, livre e informada, obrigação prevista pela Convenção 169 da OIT.
Para a Coiab, a lei abre caminho para insegurança jurídica, aumento de conflitos e legitimação de invasões, ao permitir atividades econômicas de terceiros e ao fragilizar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre seus territórios.
A nota conclui que declarar a Lei 14.701/2023 inconstitucional é “medida indispensável para preservar a supremacia da Constituição e garantir a continuidade física, cultural e territorial dos povos originários”, explica Auzerina Macuxi, Gerente da Assessoria Jurídica Indígena da Coiab.
MARCO É INVENÇÃO DA PÁTRIA BRASIL
O Marco Temporal é uma construção política sem base jurídica: não aparece na Constituição de 1988, não é reconhecido em nenhum tratado internacional de direitos humanos e já foi declarado inconstitucional pelo próprio STF, que reafirmou o caráter originário e imprescritível dos direitos territoriais indígenas.
“A tese ignora completamente a história real do país, marcada por expulsões, remoções forçadas durante a ditadura, massacres, epidemias e violências promovidas por invasores e agentes do Estado, processos que impediram a presença física de muitos povos em seus territórios, por isso demarcar terras indígenas significa reparação histórica.”, explica Toya Manchineri, coordenador geral da Coiab.
Por isso, sua defesa interessa sobretudo a grupos que buscam legalizar invasões, expandir fronteiras agrícolas e transformar a Constituição em instrumento de negócios. Em sentido oposto, a demarcação é um direito constitucional e uma reparação histórica indispensável para a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, que continuam produzindo floresta viva, futuro e justiça apesar das tentativas de impor limites fictícios aos seus territórios. O Marco Temporal é uma invenção; os direitos indígenas são reais e fundamentais.
Por outro lado, o Mapbiomas já comprovou com uma série histórica altamente complexa e baseada em dados, o papel estratégico das Terras Indígenas como barreiras ao desmatamento: nos últimos 30 anos, perderam apenas 1,2% de sua vegetação nativa, em contraste com a perda de 19,9% registrada em áreas privadas. Hoje, as TIs ocupam 13,9% do território nacional e concentram 115,3 milhões de hectares de vegetação nativa, o equivalente a 20,4% de toda a cobertura vegetal preservada no Brasil.