Coiab reúne lideranças indígenas para revisão do Estatuto Social em IV Assembleia Extraordinária

Revisão do Estatuto promove o fortalecimento institucional da maior organização indígena do Brasil

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Publicada em: 30/08/2024 às 19:46

Cerca de 400 lideranças indígenas dos nove estados da Amazônia brasileira se reuniram na Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, para a IV Assembleia Geral Extraordinária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). O evento ocorreu com o intuito de revisar o Estatuto Social da Coiab. As Assembleias são as instâncias máximas de deliberação da Coiab, na qual representantes dos diversos povos de todas as bases Coiab, na condição de delegados, decidem sobre a organização. 

Créditos: Nailson Wapichana.

A Assembleia Extraordinária ocorreu em um território emblemático para o movimento indígena brasileiro, a TI Raposa Serra do Sol, que foi conquistada a base de muita luta e sangue indígena derramado. A reivindicação do território iniciou na década de 1970, mas a demarcação só ocorreu em 2005. No entanto, foi somente em 2009 que o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a demarcação de forma definitiva. A conquista foi celebrada por toda a população indígena do país, sendo um exemplo de resistência pela demarcação das terras indígenas.

Créditos: Pepyaká Krikati

“A gente tem a grande satisfação de sediar essa Assembleia no nosso estado, aqui na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Hoje, nós estamos reformulando o Estatuto da Coiab, inserindo e discutindo novas propostas. É assim que começa as estratégias de fortalecimento organizacional da Coiab, juntamente com sua base e com as lideranças. Aqui, a Coiab está numa escuta de construção coletiva. Isso é para nós. Por isso, é tão significativo esse momento com foco em ouvir os novos estados da Amazônia brasileira”, afirma Kellyane Wapichana, Tuxaua Geral do Movimento de Mulheres Indígenas e Tuxaua Executiva do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

O momento da realização da Assembleia também é simbólico, pois ocorre em um cenário de ameaças aos direitos indígenas. Uma delas é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 48/2023 que pretende inserir a tese do Marco Temporal, já rejeitada pelo STF, na Constituição Federal. Outra é a mesa de conciliação instalada pelo ministro do STF Gilmar Mendes para debater as ações em andamento sobre a Lei 14.701/2023 do Marco Temporal. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), representante dos povos indígenas na mesa, retirou-se da discussão por não querer negociar direitos indígenas fundamentais garantidos na Constituição Federal. 

 

Propostas aprovadas pelas lideranças indígenas

Delegados das 64 etno regiões de atuação da COIAB compareceram à Assembleia para discutir e votar propostas para qualificar ainda mais a atuação da Coiab. A exemplo disso, uma das propostas aprovadas pela Assembleia prevê o fortalecimento e o apoio da incidência indígena nos espaços de debate, poder e decisão sobre as políticas climáticas e biodiversidade. 

A participação das lideranças indígenas já é uma realidade. Nos últimos anos, representantes da Rede Coiab participaram de eventos como a Conferências das Partes (COP), Conferência do Clima de Bonn, para contribuírem com as discussões e decisões sobre ações e políticas climáticas. A expectativa é que até o fim do ano, a Coiab esteja presente na Semana do Clima em Nova York, na Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade Biológica, na Colômbia, além da COP 29, que será realizada em Baku, no Azerbaijão. 

Créditos: Kaiti Topramre Totore Gavião

Outra proposta aprovada em unanimidade foi a articulação e captação de recursos para emergências climáticas, como enchentes, queimadas, estiagens, epidemias e outras situações de calamidade pública e emergência sanitária. Os efeitos das mudanças climáticas têm atingido significativamente os povos indígenas, suas comunidades e modos de vida. Alguns desses impactos negativos são a redução da biodiversidade dos territórios indígenas, o isolamento dessas populações, o impacto na produção no campo, a exposição à insegurança alimentar e outros diversos aspectos. 

A paridade de gênero na composição da coordenação executiva da Coiab foi inserida no Estatuto Social, oficializando uma prática que as últimas gestões da Coiab têm se esforçado para realizar, fortalecendo a participação política das mulheres indígenas dentro da organização e incentivando a atuação feminina no movimento. 

A defesa do direito dos povos indígenas ao usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes em seus territórios também foi reforçada no Estatuto. O inciso é estratégico, pois reafirma os direitos ancestrais dos povos indígenas aos seus territórios, que estão sob ameaça no atual cenário político, e enviam uma forte mensagem de resistência às iniciativas que buscam relativizar esse direito constitucional.

Para além das propostas inéditas, os delegados também apresentaram algumas alterações para ressignificar o texto original. Uma delas foi a expansão da promoção de ações voltadas para a demarcação, ampliação, regularização e garantia dos territórios indígenas.

O processo eleitoral para escolha da coordenação executiva e membros dos Conselhos Fiscal e Deliberativo também passou por revisão e ganhou novos artigos e incisos, com o objetivo de esclarecer os critérios e impedimentos das candidaturas a cargos eletivos na Coiab.

Créditos: Kaiti Topramre Totore Gavião

A Assessora Jurídica da Coiab, Dra. Kari Guajajara reflete sobre a importância de trazer essas revisões no estatuto para reforçar o compromisso da Coiab com os desafios da contemporaneidade. “O Estatuto Social reflete e delineia a missão institucional da Coiab, que deve se dedicar à defesa dos direitos coletivos dos povos indígenas da Amazônia brasileira, fundamentada nos princípios do respeito à diversidade cultural e da governança autônoma. A Assembleia Extraordinária revisa o Estatuto da Coiab, de forma coletiva, com os povos indígenas dos nove estados da Amazônia brasileira, para garantir que a organização permaneça adequada à legislação vigente, alinhada com a luta coletiva indígena e seus desafios atuais”, declara.

Créditos: Kaiti Topramre Totore Gavião

O coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, classificou a Assembleia de forma positiva, principalmente para aumentar a segurança jurídica do funcionamento da organização. 

“Foram dois dias de debate muito positivos, pois esclareceu questões como quem são delegados natos e quem vota na eleição da Coiab, por exemplo. É importante observar que a Coordenação Executiva não interferiu em nenhum momento, pelo contrário, nós só trouxemos o Estatuto e as informações e deixamos que os representantes das nossas organizações trabalhassem no Estatuto para que, na próxima eleição, a gente possa ter uma segurança jurídica maior. Para nós, foi essencial a participação dos jovens, mulheres, anciões, e a colaboração da nossa organização rede, o CIR, que deu o espaço para fazermos o evento. Saímos daqui renovados, com um Estatuto novo e mais compreensivo”, avaliou Toya. 

 

Homenagem às lideranças indígenas

Durante a Assembleia, a Coiab e as organizações estaduais realizaram uma homenagem póstuma a duas mulheres indígenas que ancestralizaram nos últimos meses: a Dra. Cristiane Soares Baré, advogada e defensora dos direitos indígenas da Amazônia e do Brasil, e Tuíre Kayapó, liderança histórica do estado do Pará. Cris Baré era coordenadora da Assessoria Jurídica da Coiab e ficou conhecida por representar os povos indígenas na sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a tese do Marco Temporal. Tuíre Kayapó é lembrada por sua luta histórica contra a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), e sua atuação na luta pelos direitos indígenas e preservação do meio ambiente.

“As duas foram um exemplo para nós enquanto mulheres indígenas no movimento. Elas tinham uma história de luta extraordinária que nunca vai ser apagada. No caso da Dra. Cris, ela queria muito estar presente aqui na Assembleia. Mesmo ela não estando aqui fisicamente, ela esteve junto espiritualmente. Inclusive, muito das coisas que foram debatidas no Estatuto, ela deixou encaminhado junto com a equipe jurídica. Ela conseguiu deixar muita coisa encaminhada antes de partir, porque o movimento indígena era também, de certa forma, a família dela. A Coiab era a família dela”, relembrou a coordenadora-secretária da Coiab, Marciely Tupari. 

Créditos: Ronaldo Tapirapé 

Estiveram também presentes na Assembleia Extraordinária a Coordenação Executiva da Coiab, os conselheiros fiscais e deliberativos da Coiab, representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Bacia Amazônica, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Ministérios dos Povos Indígenas (MPI), Fundo Indígena da Amazônia Brasileira – Podáali, Aliança Global, Amazon Conservation Team (ACT) Brasil, Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Fundação Amazônia Sustentável (FAS), GIZ Brasil, Rede de Advogados e Advogadas Indígenas, Secretaria Nacional de Gestão Nacional e Territorial, The Nature Conservancy (TNC) Brasil, Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), e World Wide Fund for Nature (WWF) Brasil.

 

Texto: Ariene Susui, Ingryd Hayara e Valdeniza Vasques.