Com o avanço das discussões sobre as mudanças do clima, as formas de remuneração de quem já mantém a preservação da floresta também entram em pauta. No Brasil, os povos indígenas ocupam 13,8% do território nacional, e 22,6% da região amazônica. Em média, os territórios indígenas apresentam as menores taxas de desmatamento do país, incidindo diretamente no enfrentamento aos efeitos da mudança do clima.
A partir disso, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), com apoio do Fundo de Defesa Ambiental (EDF), do Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), e do The Nature Conservancy (TNC), promoveram o Encontro sobre Clima e Mecanismo de REDD+ para Povos Indígenas da Amazônia, entre os dias 24 a 27 de janeiro, em Manaus – AM.
O evento reuniu representantes de 27 povos da Amazônia, entre autoridades climáticas indígenas e integrantes das Redes de Advogados Indígenas e Jovens Comunicadores da Coiab. Durante o encontro, os presentes puderam construir, aprimorar e multiplicar saberes e conhecimentos sobre mudanças climáticas e o mecanismo de REDD+.
Este encontro faz parte de um processo de formação continuada de representantes indígenas visando contribuir para o seu protagonismo, incidência política, conhecimento técnico e participação efetiva na agenda de mudança do clima, a partir do diálogo do projeto Advocacy dos povos indígenas pela justiça climática da coalizão Vozes pela Ação Climática Justa. Oferecer formação continuada para as lideranças é algo que a Coiab tem buscado, com a reativação do Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI), para realizar cursos e formações direcionadas.
Linha do tempo
No encontro, foi construída uma linha do tempo sobre as discussões acerca do clima, meio ambiente e desenvolvimento sustentável. A COP de Kyoto, em 1997, iniciou algumas discussões ao propor que os países apresentassem metas para redução na emissão dos gases, o que é conhecido hoje como Protocolo de Kyoto. O processo de desenvolvimento do REDD tem início a partir de uma discussão entre pesquisadores brasileiros e estadunidenses, em uma proposta apresentada na COP-9, em 2003, intitulada “Redução compensada de emissões”, e esse conceito se tornou a base do REDD nos anos seguintes.
Em 2007, na COP-13, em Bali, foi assinada a decisão conhecida como Mapa do Caminho de Bali, que resultou no conceito de REDD+, que trata para além do desmatamento, incluindo a conservação das florestas e manejo sustentável. Assim, a cúpula do clima reconhece que os povos que vivem nas florestas são indispensáveis para a manutenção da floresta em pé.
Assim, o coordenador-geral da Coiab, Toya Manchineri, ressaltou a importância de participar das instâncias de discussão e de buscar pautar cada vez mais as Conferências entre as Partes. “Um dos pontos que podemos pensar é a nossa participação nas COPs. Chegar para os governantes e dizer que se não houver uma mudança global no modo de vida do planeta, nós não vamos conseguir segurar essas mudanças. Devemos usar nossos conhecimentos indígenas e chamar os governos e cientistas para fazermos um debate mais aprofundado, pensar uma ação conjunta”, aponta.
Na carta que resultou do encontro, destacamos duas recomendações – entre as 13 propostas no documento.
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- Garantir a participação plena e efetiva dos povos indígenas na elaboração, implementação, monitoramento e avaliação dos programas jurisdicionais de REDD+ respeitando os parâmetros para a consulta prévia estabelecidos pela Convenção n.º169 da OIT, da declaração da ONU sobre os direitos indígenas de 2007, e a declaração dos direitos indígenas da OEA de 2016 e demais legislação pertinente;
- Garantir o credenciamento de representantes indígenas vinculados às suas organizações representativas para as mesas de negociação da Conferência de Clima (COP) pela instância responsável no governo brasileiro;
A carta completa pode ser lida aqui.
Experiências
Na programação, houve espaço para a discussão dos caminhos do REDD+ e o compartilhamento experiências, positivas e negativas. Uma das vivências positivas trazidas para o encontro foi a do povo Paiter Suruí, que implantou o Projeto Carbono Suruí após 7 anos de construção coletiva sobre o comércio de carbono, em que inicialmente puderam vender para a Natura e a FIFA. Gasodá Suruí ressaltou a necessidade de iniciativas que valorizem as autoridades climáticas indígenas.
“O cuidado que nós temos com a floresta contribui para o bem da humanidade. Por isso nós pensamos que temos que ser reconhecidos como guardiões da floresta. O bem que fazemos para a floresta merece uma recompensa. Então foi nesse sentido que levamos esse projeto, para podermos ser recompensados pelo cuidado que temos com a floresta e chamamos vários parceiros para construir esse projeto junto conosco”, pontuou Gasodá.
Por outro lado, enquanto os Paiter Suruí puderam construir coletivamente as propostas, a vice-coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), Alessandra Munduruku, denunciou a presença de empresas pressionando lideranças para assinar contratos de créditos de carbono, desrespeitando o Protocolo de Consulta Munduruku.
Lideranças indígenas das regiões Alto e Médio Tapajós e Baixo Teles Pires apresentaram uma carta, listando todas as situações de ameaças à vida e ao território que tem enfrentado, como a contaminação por mercúrio devido ao garimpo ilegal, agora somado ao aliciamento de comunidades para assinar contratos de comércio de carbono. A carta pode ser lida aqui.
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REDD é a sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. É um mecanismo que remunera aqueles que mantêm as florestas de pé, e com isso, evitam as emissões de gases de efeito estufa associadas ao desmatamento e degradação florestal. O REDD+ inclui atividades de conservação e manejo sustentável das florestas.
COP é a sigla para Conferência entre as Partes, considerada a maior e mais importante cúpula do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo a instância de discussão e decisão sobre as mudanças climáticas. A COP recebe líderes e representantes de mais de 190 países e acontece anualmente. A cada ano, os países selam acordos e/ou delineiam diretrizes para compromissos já firmados.