Violações dos Direitos das Mulheres Indígenas: Brasil, Guatemala e Estados Unidos

Kari Guajajara e Cristiane Baré, ambas advogadas indígenas, falaram como representantes da COIAB no evento que fez parte do Fórum Virtual da ONG-CSW65

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Publicada em: 31/03/2021 às 02:00

(Cidade de Novo York, NY, Estados Unidos) — Líderanças de mulheres indígenas das Américas se reuniram virtualmente em 22 de março para um painel de discussão importante sobre seus movimentos de base para restaurar a proteção indígena e avançar os direitos das mulheres indígenas, incluindo seu direito humano de ser livre de violência e discriminação. O evento paralelo, Violações dos Direitos das Mulheres Indígenas: Brasil, Guatemala e Estados Unidos, fez parte do Fórum Virtual da ONG-CSW65 que ocorreu juntamente com a 65ª Sessão da Comissão das Nações Unidas sobre o Status da Mulher na Cidade de Nova York. Uma gravação do evento está disponível aqui: https://youtu.be/5CUMzsKglcg.

“Os direitos das mulheres indígenas se cruzam com uma ampla gama de questões: desenvolvimento e direitos à terra, direitos ambientais e de saúde, direitos civis e políticos e direitos humanos”, disse Chris Foley, advogado sênior do Centro de Recursos Legais para os Povos Indígenas. “Mas são os direitos coletivos dos povos indígenas, especialmente nosso direito à autodeterminação e nossos direitos à terra, que são centrais para o trabalho de restaurar a segurança das mulheres indígenas.”

Cada uma das panelistas falou sobre suas experiências de trabalho para melhorar e reformar as respostas de seus governos à violência contra as mulheres indígenas e para aproximar as leis de seus países dos padrões internacionais da Declaração de Pequim, das Declarações das Nações e da Organização dos Estados Americanos sobre os Direitos dos Povos Indígenas, e outros instrumentos de direitos humanos.

Situação das mulheres indígenas de Brasil

Kari Guajajara e Cristiane Baré, ambas advogadas indígenas, falaram como representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), que mobiliza cerca de 160 povos indígenas distintos.

“As mulheres indígenas estão na linha de frente do trabalho para defender nossos direitos coletivos”, disse Guajajara. “Muitas violações de direitos são específicas de nossa identidade interseccional, tanto como mulheres quanto como povos indígenas.” Exemplos disso são as violações aos territórios, que além de atingir toda a comunidade, ainda atinge as mulheres indígenas como violências específicas.

Às vezes, pode levar uma semana para um sobrevivente chegar a uma delegacia de polícia em razão da distância geográfica e então enfrentar mais dificuldades para denunciar agressores considerando as barreiras linguísticas. Ela também lembrou que a conquista dos direitos de existir e permanecer enquanto indígenas foi conquista pelos povos, legalmente, somente com a Constituição de 1988. “Antes não tínhamos o direito de existir; foi considerada uma condição temporária”, acrescentou Guajajara. “Ainda lutamos para realizar nosso direito de existir e trabalhamos muito para que os direitos das mulheres indígenas sejam reconhecidos.”

Cristiane Baré descreveu alguns dos impactos do COVID-19 nas mulheres e comunidades indígenas e como isso contribui para o aumento da violência. Não há dados precisos sobre quantos povos indígenas morreram do vírus até o momento, em virtude de o Governo não considerar indígena quem está fora dos territórios demarcados. Além do mais o Governo brasileiro não apresentou um plano de enfrentamento eficaz ao combate da doença, respeitando as especificidades das populações indígenas. “Muitas mulheres indígenas trabalham em empregos informais como a venda de artesanato, mas agora com a pandemia não podem deixar suas comunidades, resultando em efeitos financeiros para suas famílias e na comunidade.” Nos últimos anos, “os povos indígenas no Brasil também têm experimentado um aumento das invasões, queimadas e do desmatamento de suas terras, consequentemente com um aumento da violência contra mulheres indígenas”, disse Baré. “A pandemia muitas vezes obriga as mulheres indígenas violentadas a permanecerem perto de seus agressores, em alguns casos internos, ou porque precisam de seu apoio financeiro, tendo em vista que eles são os provedores da casa ou pela falta de acesso aos locais onde poderiam fazer as denuncias.” Baré destacou ainda que “a violência não faz parte da nossa cultura nem dos nossos territórios, são consequências da colonização europeia na invasão do país”.

Situação das mulheres indígenas de Guatemala

“O sistema colonizador que já dura mais de 500 anos impôs um modelo muito diferente – uma abordagem dominante – aos povos indígenas”, disse María Eliza Orozco Pérez, que faz parte da Associação Integral das Mulheres Indígenas Mam da Guatemala (AIGMIM). “Tínhamos um legado histórico como filhos de nossos ancestrais e nossa maneira de viver com a Mãe Terra, mas tudo isso foi ignorado.” Orozco Pérez observou que “embora haja muitas injustiças históricas com respeito aos povos indígenas nos sistemas de educação, saúde e justiça criminal, durante a pandemia é possível ver a discriminação contra os povos indígenas que não estão sendo atendidos por recursos fornecidos a terceiros, incluindo empresas e instituições.” Significativamente, as mulheres indígenas têm sofrido violência desde a colonização. Orozco Pérez descreveu como “essas mulheres estão se tornando invisíveis; muitas mulheres estão desaparecendo e a migração está aumentando”.

Juanita Cabrera Lopez, Diretora Executiva da Liga Internacional Maia, falou sobre as violações dos direitos humanos contra mulheres, crianças e famílias indígenas na Guatemala e na fronteira EUA / México e seu impacto na mobilidade, migração e rotas de migração. Apesar das taxas extremas de violência contra as mulheres indígenas na Guatemala, o governo sempre deixa de agir. Apesar das taxas extremas de violência contra as mulheres indígenas na Guatemala, o governo sempre deixa de agir. Cabrera Lopez disse que há uma epidemia de feminicídio na Guatemala, citando descobertas de que apenas nos primeiros 25 dias de 2021, 28 mulheres e meninas foram mortas, e afirmando que movimentos de mulheres indígenas pediram ao Estado para agir e garantir o direito à vida para todas as mulheres e meninas, e denunciou o racismo e a discriminação histórica como um papel na violência e assassinato contra as mulheres indígenas. Entre outras coisas, ela pediu a documentação das violações dos direitos humanos das mulheres indígenas na migração e um relatório de investigação sobre as cinco mortes de crianças indígenas Maias e o assassinato de Claudia Patrícia Gómez González na fronteira sul dos Estados Unidos.

Situação das mulheres indígenas dos Estados Unidos

“Mulheres nativas no Alasca sofrem a maior taxa de violência sexual forçada nos Estados Unidos. Os nativos do Alasca representam 16% da população do estado, mas representamos 28% das vítimas de assassinato no estado”, disse Tami Truett Jerue, diretora do Centro de Recursos para Mulheres Nativas do Alasca. “Esse problema é baseado em políticas de colonização e leis que criam barreiras para a implementação de soluções locais. Estamos exigindo mais recursos, mas também precisamos de mudanças nas políticas e leis estaduais e federais para criar uma estrutura legal que permitirá que as aldeias nativas do Alasca implementem as mudanças de que precisamos”. O Centro de Recursos para Mulheres Nativas do Alasca trabalha para educar legisladores sobre as leis e políticas que prejudicam as mulheres indígenas e contribuem para os altos índices de violência.

Nos Estados Unidos, quatro em cada cinco indígenas americanas e mulheres nativas do Alasca foram agredidas e, em algumas reservas, mulheres indígenas são assassinadas a taxas dez vezes superiores à média nacional. Carmen O’Leary, Diretora da Sociedade de Mulheres Nativas das Grandes Planícies, discutiu a legislação pendente no Congresso dos EUA que autorizaria de novo a Lei da Violência Contra as Mulheres (VAWA), a principal lei federal destinada a abordar a violência doméstica, violência sexual e perseguição, e que expirou em 2018. Quando VAWA foi autorizado de novo pela última vez em 2013, disposições históricas foram adicionadas para reafirmar a soberania inerente dos governos tribais para lidar com a violência contra mulheres indígenas por pessoas não-indígenas nas reservas indígenas que cometem violência doméstica, violência em namoro e violações de certas ordens de proteção. O’Leary descreveu os esforços para obter melhorias extremamente necessárias na lei dos EUA que poderiam fortalecer as proteções para as mulheres indígenas, como a ampliação da autoridade criminal das tribos sob VAWA, abordando a proteção das mulheres e comunidades indígenas dos “acampamentos de homens” e outras questões associados às indústrias extrativas em ou perto das terras tribais, encarceramento e oleodutos em ou perto das terras tribais.

Concluindo, Paula Julian, Especialista Sênior em Políticas do Centro Nacional de Recursos da Mulher Indígena, observou que os panelistas deixaram claro que a violência sancionada pelo governo e a falta de responsabilidade do governo contribuem para os índices extremos de violência que as mulheres indígenas sofrem nas Américas. É inaceitável que as mães indígenas ainda devam conversar com suas filhas sobre o que fazer quando, e não se, elas são estupradas ou agredidas.

Com base no painel, as organizações co-patrocinadoras fizeram a seguinte recomendação à 65ª Sessão da Comissão das Nações Unidas sobre o Status da Mulher:

Instamos a Comissão sobre o Status da Mulher a continuar e aprofundar seu envolvimento com as mulheres indígenas e seus direitos, incluindo, na primeira oportunidade, designando a Implementação dos Direitos Individuais e Coletivos das Mulheres Indígenas a uma Vida Livre de Violência e Discriminação como uma área de foco.


O evento foi co-patrocinado pelo Centro de Recursos de Mulheres Nativas do Alasca; Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira; Centro de Recursos Legais para Povos Indígenas; Liga Internacional Maia, Congresso Nacional de Indígenas Americanas; Centro Nacional de Recursos para Mulheres Indígenas e Sociedade de Mulheres Nativas das Grandes Planícies, Reclamando Nossa Sacralidade.