A Federação dos Povos Indígenas do Pará – FEPIPA, que articula e congrega mais de 55 povos indígenas neste estado, presentes em 52 municípios e protetores de florestas e rios em mais de 25% do território paraense, sendo base da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, vem somar-se à luta contra o garimpo e a mineração e pedir seu apoio à “Carta do Povo Munduruku para exigir o fechamento dos garimpos”.
“Muitas vezes nós indígenas somos chamados de incomodadores. Mas o que nós somos é cobradores, cobradores do que diz a Constituição. Incomodadores são os que violam os direitos indígenas no Congresso”. Professor Hans Kaba, Liderança Munduruku, em 14 de dezembro de 2014.
O povo Munduruku das Terras Indígenas Sai-Cinza e Mundurucu, localizadas no sudoeste do Pará, é formado por mais de 8.200 pessoas. Há décadas, estão lutando contra a invasão ilegal de garimpeiros e de outros não- indígenas em seus territórios, homologados desde 1991 e 2004, respectivamente.
Reconhecemos e reafirmamos o que foi decidido e aprovado por unanimidade na Assembleia realizada na aldeia Waro Apompu, entre os dias 20 e 22 de agosto de 2020: o povo Munduruku e as lideranças de suas associações de representação legítimas deliberaram, mais uma vez, sobre o fechamento dos garimpos que estão dentro dos territórios munduruku, legalmente demarcados e, portanto, de usufruto exclusivo dos indígenas.
Denunciamos e repudiamos a atitude do atual ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, que estabeleceu diálogo com garimpeiros ilegais e apoiou publicamente a atividade criminosa quando em visita à cidade de Jacareacanga, no início de agosto de 2020. Vale enfatizar que o Projeto de Lei 191/2020, o chamado “PL da devastação” do governo Bolsonaro, que pretende regularizar o garimpo e a exploração de recursos minerais em Terras Indígenas, foi apresentado em 6 de fevereiro, mas está paralisado no Congresso desde então. E consideramos que assim deve permanecer: paralisado!
A atitude do ministro desrespeita não só a Constituição, como também o Protocolo de Consulta do povo Munduruku, que existe desde dezembro de 2014 e se configura como conjunto de regras legalmente válidas e necessárias para fazer valer seu direito de participar de decisões públicas (legislativas ou administrativas) que dizem respeito a suas vidas, territórios e direitos. E, nesse protocolo, estão claramente expressas duas regras, que foram frontalmente desrespeitadas pelo ministro:
1.“Nós não queremos que o governo nos considere divididos: existe só um povo Munduruku”.
2.“Todas as reuniões devem ser em nosso território – na aldeia que nós escolhermos, e não na cidade”.
Validamos e reforçamos, com isso, a reivindicação exposta na referida “Carta do Povo Munduruku[/i]” de que os 7 indígenas, previamente ligados ao garimpo ilegal, e que foram aliciados para irem a Brasília tratar sobre o cancelamento das operações de fiscalização do Ibama[/url], não representam o povo Munduruku. Os representantes de um povo só podem ser determinados por seus representados, e o povo Munduruku tem estabelecidas suas regras para definir e legitimar seus representantes.
Reiteramos que as fiscalizações contra ilegalidades em Terras Indígenas são um dever de Estado, e não podem estar sujeitas a desmandos de conveniência, como atesta o próprio Ministério Público Federal (MPF). Foi nesse sentido que o procurador da República que atua em Itaituba, Paulo de Tarso Moreira de Oliveira, abriu investigação sobre o uso indevido de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para transportar até Brasília esses indígenas aliciados para defender o garimpo, que é ilegal. Afinal, pelas leis brasileiras, toda mineração dentro de Terras Indígenas é ilegal, portanto, comete crime qualquer pessoa que admite ser garimpeiro em Terras Indígenas.
Os números envolvidos nas fiscalizações dessa região indicam o tamanho e o peso do que está em jogo: só nessa última operação do Ibama, suspensa pelo Ministério da Defesa no dia 06 de agosto de 2020, foram destruídos mais de 25 retroescavadeiras, tratores e bombas, prejuízo para os criminosos avaliado em R$ 10 milhões, mas que pode ser facilmente compensado pelos 700 quilos de ouro retirados por mês nessa área (o equivalente a cerca de R$ 250 milhões), segundo cálculos do próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em audiência pública realizada em 23 de abril de 2019, o representante da Agência Nacional de Mineração (ANM), Glauber Cosenza, admitiu que “hoje em dia, no Tapajós, se libera por meio de áreas licenciadas em torno de 5 toneladas de ouro oficialmente. Não oficialmente, são 30 toneladas. Então, não se trata de um problema do estado do Pará. A questão do Tapajós é nacional”.
Os números envolvidos no crime socioambiental são ainda mais graves e alarmantes para a saúde pública: pesquisa sobre a contaminação por mercúrio entre os Munduruku[/url], feita pelo médico neurocirurgião Erik Jennings e pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), mostrou níveis de mercúrio até 8 vezes acima do normal na população, que já apresenta sintomas de intoxicação como problemas neurológicos, perda de reflexos e dificuldades de locomoção. Os danos do mercúrio são irreversíveis. Uma vez estabelecido no corpo, não há o que curar. Não queremos, não podemos e não vamos ser “a nova Minamata[/u][/b]”!
Reafirmamos, portanto, nosso compromisso de não aceitar retrocessos nas garantias de nossos direitos, conquistados pelo sangue de nossas lideranças, para incluir o respeito a nossas vidas e territórios no regramento geral do Brasil, enquanto povos detentores de “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, tal como expresso no artigo 231 da Constituição Federal.
Lutaremos, de forma unida e resistente como o povo Munduruku faz agora, pelos territórios e pelas vidas de todos.
Vidas indígenas importam! Nenhuma gota de sangue a mais!
Coordenação Executiva da FEPIPA, 04 de setembro de 2020.
Carta aberta de apoio da FEPIPA ao Povo Munduruku em nossa luta contra garimpo e mineração em Terras Indígenas
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